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Teatro

- Publicada em 12 de Junho de 2020 às 03:00

A vitalidade do melodrama

Antonio Hohlfeldt
Pode-se dizer que as origens mais remotas do gênero dramático chamado melodrama residem na comédia nova grega, que passou a abordar enredos que se desenvolviam no interior das casas de família e envolviam seus integrantes: ciúmes, amores traídos, ambições frustradas etc. O fato de se denominar comédia não queria dizer, necessariamente, como entendemos hoje, que fosse obra para rir. Mas a comédia nova grega deixava de se preocupar com deuses e semi-heróis para assestar suas atenções dos pequenos eventos cotidianos.
Pode-se dizer que as origens mais remotas do gênero dramático chamado melodrama residem na comédia nova grega, que passou a abordar enredos que se desenvolviam no interior das casas de família e envolviam seus integrantes: ciúmes, amores traídos, ambições frustradas etc. O fato de se denominar comédia não queria dizer, necessariamente, como entendemos hoje, que fosse obra para rir. Mas a comédia nova grega deixava de se preocupar com deuses e semi-heróis para assestar suas atenções dos pequenos eventos cotidianos.
Essa tendência vai perdurar ao longo da comédia latina, em autores como Terêncio, por exemplo, que, por isso mesmo, foi preferido a Plauto, pelos homens da igreja. Porque este tipo de peça acabava por se tornar também uma crítica de costumes, indicando, de certo modo, como se devia comportar e os castigos advindos de quem não respeitasse tais regras.
Por isso mesmo, o gênero, em sua evolução histórica, torna-se preferido ao longo da Idade Média, convivendo com a farsas e os autos religiosos, atravessa o classicismo francês, em que perde novamente espaço para os emperucados personagens de Racine e Corneille, mas ganha vitalidade na comédia de Molière.
É o Romantismo, contudo, que vai consagrar o gênero, e com inteira lógica: a ascensão da nova classe social vai-se encontrar, como que num espelho, nas cenas do melodrama, que reflete novas relações sociais e novas preocupações do cotidiano. Schiller se preocupa com o tema; Goethe chega a indicar o modo de se comportar - fisicamente - dos atores em cena; e Victor Hugo, no seu prefácio a Hernani, quando defende o grotesco, indica exatamente o que caracteriza o ser humano: ele é um listo de bondade e maldade, de alegria e de tristeza, de beleza e de grotesco. Eis o drama.
Na Paris do século XIX, o melodrama ganha popularidade sobretudo nos teatros de arrabalde, cujas sessões por vezes chegam a se suceder, ininterruptamente, a partir das 14h, até a última, às 20h. Autores, diretores, atrizes encontram, nestes espetáculos, o modo de se tornarem conhecidos e reconhecidos, consagrando-se.
Alexandre Dumas Filho recria o que talvez seja o conjunto mais efetivo de textos a respeito do chamado "grand monde" e o "demi monde", em que, sob a égide de Luiz Felipe, o dinheiro e a aparência comandam a vida cotidiana. A dama das camélias é a obra de referência (em 2019, tivemos uma encenação no Theatro São Pedro que relembrava este texto). A ópera italiana, como evidenciou Antonio Gramsci, levou o melodrama falado de Paris para os teatros cantados de Roma: nascia a ópera italiana e muitos destes melodramas, inclusive A dama das camélias, receberiam novas roupagens para a interpretação orquestral e das primas donas.
O melodrama simplificou-se através da comédia de costumes, e foi assim que, através de Portugal, chegou ao Brasil. No final do século XIX e nas três primeiras décadas do século XX a comédia de costumes foi gênero amplamente encontrável nos teatros da capital federal, o Rio de Janeiro, com a vantagem que, ainda hoje, nos permite conhecer os meandros da vida citadina da nascente república. Depois, o modernismo acabou por destruí-lo e hoje pouco resta deste gênero que, quando retorna, o faz sob a perspectiva do pastiche ou da paródia, como no caso de textos de Luiz Arthur Nunes/Caio Fernando Abreu (A maldição do vale negro), ou a peça O mistério de Irma Vap, que também revimos em 2019.
Em português, conheço dois bons trabalhos, Melodrama - O gênero e sua permanência, de Ivete Huppes, excelente (Ateliê, 2000), e o português O melodrama - Temas - I (Centro de Literatura Portuguesa, 2006). Em francês, temos o clássico Le mélodrame, de Jean-Marie Thomasseau, já traduzido ao espanhol e ao português (Perspectiva).
Pois é a este gênero, suas experiências dramáticas, reflexões teóricas e atualizações, que se dedica o livro organizado por Paulo Merisio, a quem encontrei numa banca de doutorado, no ano passado. Merisio vem fazendo pesquisas a respeito do tema, ligado à Escola de Teatro da Unirio, coordenando o grupo Sentidos do melodrama. Sua obra - Sentidos do melodrama (7 Letras, 2017) - é extremamente interessante e me valeu ótimas horas de leitura e aprendizado, que repasso ao leitor desta coluna. Enquanto estamos presos em casa, durante a pandemia, podemos aproveitar as horas em que assistiríamos a um espetáculo num de nossos teatros para ler a respeito de gêneros, autores e grupos, garantindo melhor aproveitamento e compreensão. Depois, nos encontramos com as trupes e seus espetáculos, o que, evidentemente, com maior ou menor dificuldade, vai acabar acontecendo.
 
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