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Teatro

- Publicada em 29 de Maio de 2020 às 03:00

Além da Sbórnia e criadores


BESOURO BOX/DIVULGAÇÃO/JC
Enquanto não podemos nos reencontrar ao vivo com nossos artistas e suas artes, aproveitamos o tempo de confinamento para ler a respeito deles e aprender sobre seus trabalhos. É o caso de Hique Gomez e seu Para além da Sbórnia (Besouro Box, 2019), lançado ao final do ano passado, no próprio espaço do Theatro São Pedro.
Enquanto não podemos nos reencontrar ao vivo com nossos artistas e suas artes, aproveitamos o tempo de confinamento para ler a respeito deles e aprender sobre seus trabalhos. É o caso de Hique Gomez e seu Para além da Sbórnia (Besouro Box, 2019), lançado ao final do ano passado, no próprio espaço do Theatro São Pedro.
Mais do que um simples relato autobiográfico - o que já seria importante, por toda a trajetória do artista -, Hique Gomez, em seu livro, termina por fazer uma espécie de inventário de um conjunto significativo de outros artistas e do movimento cultural de Porto Alegre. Claro, um outro aspecto relevante é, enfim, a homenagem que está continuamente implícita e explícita a seu parceiro Nico Nicolaiewsky, precocemente falecido.
Esse aspecto é mais do que conhecido por todos, em especial os que forem leitores do livro: foi a dupla constituída nas últimas décadas que maior sucesso alcançou nos palcos da cidade, graças aos talentos de cada um deles, mas, igualmente, por uma sensibilidade e um lampejo de Eva Sopher, que, à frente do Theatro São Pedro, convidou-os para uma primeira temporada que acabou se repetindo, anualmente, ao longo de quase duas décadas e que, ainda agora, produz outros e renovados frutos.
É evidente que, para Eva, tratava-se também da sobrevivência financeira da instituição, já que os percentuais de bilheteria cabíveis à fundação eram significativos, diante do constante - e muitas vezes inesperado - público que acorria às performances do grupo. Mas ela teve, sobretudo, a sensibilidade de entender que estava diante de um fenômeno raro, mas não impossível, de renovação de uma tradição, graças à inteligência e à criatividade dos dois artistas: assim, os personagens inventados/personificados pelos músicos/atores faziam ressuscitar antigas imagens produzidas ainda pelo rádio, quando este suporte era das poucas alternativas à disposição da população de menores poderes aquisitivos para se divertir. Cantores e humoristas marcaram época nas ondas do rádio, foram reevocados pela televisão e, enfim, chegaram aos espaços do teatro, milagre que só a arte é capaz de concretizar.
Em seu livro, Hique Gomez relembra o panorama cultural do Brasil, do Rio Grande do Sul (inclusive em suas cidades interioranas, como a Soledade de sua juventude) e de Porto Alegre; revaloriza nomes de alguns daqueles que foram os grandes animadores dessa cena cultural, aproximando os acontecimentos do exterior com os então nossos acanhados horizontes, como evidencia o capítulo Não era mais brincadeira (p. 49 e ss.).
O livro igualmente nos permite refletir a respeito dos caminhos que acabam se cruzando ao longo dos tempos: o ator Miguel Ramos, que, por exemplo, chegado de Uruguaiana, se notabilizara por uma extraordinária encenação de Mockimpott, de Peter Weiss - produção de Jairo de Andrade para o Teatro de Arena -, vivia em São Paulo e, ao assistir Tangos & Tragédias, numa de suas passagens por Porto Alegre, resolveu produzir o espetáculo na capital bandeirante, levando junto outro espetáculo, o do diretor Dilmar Messias, Mime Apestovich, e lá se foram os grupos em conquista de novos espaços. Muitos anos depois, Dilmar reencontrar-se-ia com Hique, Dilmar diretor de programação do Theatro São Pedro, Hique ainda vinculado aos espetáculos da Sbórnia, ainda que, agora, com a formação de uma nova dupla, a cantora e também atriz Simone Rasslan. E aqui encontro um outro aspecto destacável na vida cultural regional, ainda que por vezes remanesça nos grandes centros: as relações de amizade, a admiração de uns artistas pelos outros e suas capacidades de empatia etc.
O grupo voltaria muitas vezes a São Paulo, assim como realizaria turnês e apresentações em outras cidades brasileiras. A Sbórnia chegou a virar desenho animado internacional, cruzou seus talentos com os músicos da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, Orquestra de Câmara Theatro São Pedro, Orquestra Unisinos, Orquestra Sinfônica de Caxias, Orquestra da Universidade de Brasília, e assim por diante (p. 248).
O livro é grande, tem quase 400 páginas, mas a gente o lê com rapidez, porque tem graça, prende a atenção, e mais: provoca emoção. Pessoalmente, acompanhei uma parte dessa história, às vezes mais perto, às vezes mais longe. Cruzei com o personagem, mais recentemente. De qualquer modo, fui ler o livro com curiosidade e acabei me surpreendendo, não só com as histórias contadas, mas com a competência da narração. Para além da Sbórnia acerta no título: é um livro que vai além, porque fala, de certo modo, de cada um de nós, mesmo que só um pouquinho...
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