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Teatro

- Publicada em 24 de Abril de 2020 às 03:00

Refletindo sobre a crítica - I

Antonio Hohlfeldt
Nestas semanas de interrupção forçada das atividades teatrais, cujo acompanhamento e comentário tem sido, ao longo dos anos, minha tarefa junto aos leitores deste jornal, estou aproveitando para, não apenas aprender a melhor lidar com as tecnologias de informação e de comunicação, mas também reler alguns textos clássicos da literatura universal, como Pantagruel e Gargantua, de François Rabelais, ou As aventuras de Tristran Shandy, de Laurence Stern. Além das aulas a distância da Pucrs e de nossas reuniões semanais, também a distância, que temos tido na diretoria da Fundação Theatro São Pedro, procuro ler ou reler livros a respeito de dramaturgia, em geral, e da crítica, em particular. Neste sentido, voltei aos três textos que a escritora Edla van Steen reuniu, há uns poucos anos, num pequeno mas rico e sugestivo volume, intitulado A função da crítica (Giostri, 2014). Temos aí pequenas reflexões, tão variadas quanto complementares, de três críticos profissionais de teatro que pensaram e escreveram a respeito de sua tarefa.
Nestas semanas de interrupção forçada das atividades teatrais, cujo acompanhamento e comentário tem sido, ao longo dos anos, minha tarefa junto aos leitores deste jornal, estou aproveitando para, não apenas aprender a melhor lidar com as tecnologias de informação e de comunicação, mas também reler alguns textos clássicos da literatura universal, como Pantagruel e Gargantua, de François Rabelais, ou As aventuras de Tristran Shandy, de Laurence Stern. Além das aulas a distância da Pucrs e de nossas reuniões semanais, também a distância, que temos tido na diretoria da Fundação Theatro São Pedro, procuro ler ou reler livros a respeito de dramaturgia, em geral, e da crítica, em particular. Neste sentido, voltei aos três textos que a escritora Edla van Steen reuniu, há uns poucos anos, num pequeno mas rico e sugestivo volume, intitulado A função da crítica (Giostri, 2014). Temos aí pequenas reflexões, tão variadas quanto complementares, de três críticos profissionais de teatro que pensaram e escreveram a respeito de sua tarefa.
Bárbara Heliodora abre o volume. Ela é a única quem, de fato, procura trazer algumas reflexões mais aprofundadas a respeito da tarefa do crítico, do crítico de teatro, muito especialmente, e do espetáculo teatral, em decorrência, já que, como ela afirma, este é uma experiência única e irrenovável, a cada encontro de um espetáculo com uma plateia. "De todas as artes cênicas, o teatro é justamente aquela em que mais íntimo e produtivo é o diálogo entre criador e crítico" (p. 14). Ela faz esta contextualização na medida em que evidencia algumas restrições ao cinema e à televisão, pelo que considera seu excessivo caráter comercial. Em parte, certamente, tem razão.
A famosa, temida e às vezes odiada crítica de O Globo, em seus últimos dias de vida, mas que já o fora no Jornal do Brasil e também dirigira o Serviço Nacional de Teatro, era, para muitos, demasiadamente exigente, expressando, às vezes, preconceitos quanto a gêneros (o chamado "teatrão", aqueles espetáculos que vinham com a chancela de atores conhecidos pela televisão e cujas características interpretadas, marcadas por uma especificidade da telinha, com "cacoetes", dos quais ela divergia) ou quanto a autores (especializada em William Shakespeare, de quem foi tradutora) que entendia necessitarem de certas liturgias para a sua boa montagem. É inegável, contudo, que Bárbara Heliodora exercia seu trabalho com seriedade e conhecimento, bastando ler-se sua extensa bibliografia, inclusive um pequeno trabalho (mas de excelente síntese) sobre a história do teatro (Caminhos do teatro ocidental, Perspectiva, 2013).
Nesta sua reflexão, Bárbara Heliodora se indaga a respeito da função da crítica e, com objetividade, responde: "Toda arte é artificial e criada pelo homem, podendo ser por isso desmontada e remontada, mas principalmente pode ser apreciada" (p. 19). Para ela, qualquer pessoa pode ter um sentido crítico apurado e, portanto, ser capaz de "bem apreciar", no sentido de abarcar o conjunto de intenções de uma equipe ao desenvolver um espetáculo. Mas o chamado "crítico profissional" tem um compromisso maior porque, além de ser um "espectador informado" (p. 20), "tem de reagir com sua sensibilidade pessoal", aquela que se expressa através de um "gostei" ou "não gostei" mas, sobretudo, "procurar abstrair ou superar (...) preferências e tentar encarar o espetáculo dentro de parâmetros a que este se propõe" (p. 23).
Acho que aqui ela chega ao cerne do problema de toda e qualquer crítica, e não apenas da crítica teatral. O receptor de uma obra, para bem poder apreendê-la, precisa, antes de mais nada, entender, com clareza, qual é o objetivo do realizador, seja ele um escritor, um dramaturgo, um diretor de cena, uma equipe. Ao bem compreender a proposta, podemos julgar se houve identificação entre a ideia e a sua realização e, a partir daí, discuti-la, inclusive podendo pensar a respeito de uma obra mesmo que não se identifique ou goste dela, porque o problema da crítica não é, em última análise, apenas gostar ou não gostar, como aliás o escritor francês Stendhal já havia observado, em uma de suas Crônicas italianas, mas de verificar a eficiência e a competência do criador, inclusive em ir além daquilo a que ele próprio se propusera (ou aquém, ou ter feito algo que nada tinha a ver com sua pretendida proposta, etc.).
Esta ideia, aliás, está presente tanto no texto de Jefferson del Rios, que se segue ao de Bárbara Heliodora, quanto no de Sábato Magaldi, que encerra a coletânea. Por isso, se o leitor me permitir, voltarei ao tema na semana vindoura.
 
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