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Teatro

- Publicada em 10 de Janeiro de 2020 às 03:00

Discutindo Paulo Flores

Antonio Hohlfeldt
Como faço todos os anos, aproveito este período de férias, em que temos menor programação no campo das artes cênicas, para chamar a atenção e resenhar alguns livros que tratam de nosso tema. Evidentemente que, com o início do Porto Verão Alegre, já teremos assuntos para comentar, na medida em que alguns espetáculos que não cheguei a assistir ao longo da temporada, por motivos diversos, poderão ser agora conferidos, além de haver estreias que antecipam a temporada de 2020.
Como faço todos os anos, aproveito este período de férias, em que temos menor programação no campo das artes cênicas, para chamar a atenção e resenhar alguns livros que tratam de nosso tema. Evidentemente que, com o início do Porto Verão Alegre, já teremos assuntos para comentar, na medida em que alguns espetáculos que não cheguei a assistir ao longo da temporada, por motivos diversos, poderão ser agora conferidos, além de haver estreias que antecipam a temporada de 2020.
Começo com o livro do conhecido jornalista Roger Lerina sobre o ator e diretor Paulo Flores, chamado Um teatro com pedra nas veias. A obra foi editada pela Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre, na coleção que anualmente homenageia um artista porto-alegrense das artes cênicas. Neste caso, Paulo Flores, ator e diretor mas, sobretudo, o grande idealizador, animador e resistente responsável principal pelo surgimento, constituição e permanência do grupo Ói Nóis Aqui Traveiz e sua entidade de referência, que é a Terreira da Tribo.
Tive a alegria de ser convidado pelo Lerina para escrever um texto que depois se tornou a apresentação do volume. Aproveitei para recordar meus primeiros contatos com o Paulo Flores, numa época ditatorial em que tudo era proibido e tudo gerava desconfianças. Lembro que o jornalista Aldo Obino, decano da crítica de artes, e que atuava no Correio do Povo, onde então eu também fui trabalhar, desde logo chamou a atenção para este artista e seu grupo. Mas certamente Obino, de quem fui aluno do Colégio Julinho, e depois discípulo, no difícil aprendizado da crítica de artes, tinha algumas dificuldades em compreender as propostas daquele grupo de irreverentes rapazes e moças na ribalta da cidade. Na sua sensatez e na sua sensibilidade, Obino valorizava o grupo, registrava seus espetáculos, do mesmo modo que o crítico Cláudio Heemann, em Zero Hora.
De meu lado, escrever sobre a Terreira da Tribo e sobre Paulo Flores e seus companheiros era, mais que uma atividade profissional, um exercício de resistência e de denúncia daquela situação politicamente irregular. Daí meu interesse em acompanhar desde os primeiros espetáculos dirigidos por Paulo Flores, a partir de textos escritos por Julio Zanotta Vieira, ainda hoje em atividade. Era um saudável exercício de anarquismo que permitia provocar o status quo mas que colocava em risco, inclusive fisicamente, os integrantes do grupo. Mas foi assim que Paulo Flores e sua trupe foram ocupando espaços, chamando a atenção, reclamando o reconhecimento e se afirmando no contexto artístico porto-alegrense, sul-rio-grandense, brasileiro e, enfim, internacional.
O Ói Nóis Aqui Traveiz desde o nome do grupo era desafiador. Era como se antecipassem: não adianta nos perseguir, tentar nos calar, a gente volta, volta sempre... E aí está o grupo, mais uma vez enfrentando dificuldades para manter sua sede física, mas nem por isso propondo menos atividades para a cidade.
Pelo grupo passaram artistas variados, alguns meteoricamente, outros que deram contribuições significativas. Lembro, dentre tantos e tantos nomes, de Arlete Cunha, ainda hoje em atividades entre nós. Mas certamente Tânia Farias foi aquela figura que mais fortemente, depois de Paulo, tem marcado a história da Terreira. Pequenina no físico, verdadeira gigante na resistência, na coragem, na disponibilidade. Sem ela e Paulo, hoje em dia o Ói Nóis Aqui Traveiz certamente não existiria mais.
O livro de Lerina, que abre com meu texto, encerra-se com um outro trabalho, de Francisco Marshall, um dos maiores animadores do movimento cultural da cidade. A partir de sua perspectiva de historiador e arqueólogo, ele juntou a historiografia e a mitologia para falar de Paulo Flores enquanto um hierofante, figura mítica grega responsável por revelar realidades e caminhos.
O texto de Lerina, por seu lado, que forma o miolo e a parte principal da obra, partiu de entrevistas com o ator e diretor, reuniu documentos, reflete sobre a trajetória do artista e, sobretudo, apresenta uma síntese das montagens realizadas por Paulo Flores desde A divina proporção, de 1978. É obra, pois, de leitura obrigatória, por ser síntese de massa, e, ao mesmo tempo, por propiciar a compreensão, em perspectiva crítica, de um período tão difícil quanto criativo de nossa história social e de nossa evolução artística.
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