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- Publicada em 03 de Janeiro de 2020 às 03:00

Balanço de 2019 - Parte 4: Programação se manteve até metade de dezembro

Outubro iniciou-se com a estreia da Cia. Teatro Lumbra, de teatro de bonecos, com transcriações de clássicos da literatura para o palco. Depois, foi a vez de a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro trazer mais duas óperas barrocas à cena, duas obras cômicas, que alcançaram enorme sucesso, Il maestro di cappella e Il maestro di musica, de Domenico Cimarosa e Giovanni Battista Pergolesi, respectivamente. A Cia. de Flamenco Luz del Puerto promoveu Immersion, da Cia. Soniquete, de Campinas, e o Theatro São Pedro, que já recebera estes espetáculos em sua programação normal, realizou um movimentado festival de teatro infantil, com quase 6 mil crianças participando da promoção.
Outubro iniciou-se com a estreia da Cia. Teatro Lumbra, de teatro de bonecos, com transcriações de clássicos da literatura para o palco. Depois, foi a vez de a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro trazer mais duas óperas barrocas à cena, duas obras cômicas, que alcançaram enorme sucesso, Il maestro di cappella e Il maestro di musica, de Domenico Cimarosa e Giovanni Battista Pergolesi, respectivamente. A Cia. de Flamenco Luz del Puerto promoveu Immersion, da Cia. Soniquete, de Campinas, e o Theatro São Pedro, que já recebera estes espetáculos em sua programação normal, realizou um movimentado festival de teatro infantil, com quase 6 mil crianças participando da promoção.
O grupo Tatá-Núcleo de Dança-teatro, de Pelotas, mostrou o espetáculo Quando você me toca, na Terreira da Tribo, dando continuidade a uma agenda movimentada do grupo local, que busca sobreviver em sua sede. Oriundo do Centro do País, A dama das camélias, clássico de Alexandre Dumas, teve versão solo de Roberto Cordovani, enquanto Ernani Poeta tinha seu texto Peccátu cumprindo temporada na Casa de Cultura Mario Quintana, e Júlio Zanota Vieira mostrava Um dia Sodoma, no outro Gomorra, com Pablo Parra e Iza MezaTzin. Ainda do Centro do País, Lilian Lemmertz nos mostrou o emocionante Simples assim, a partir de crônicas de Martha Medeiros, enquanto o grupo de dança Kadima, celebrando 40 anos, fez um espetáculo com bom apanhado de seu múltiplo repertório ligado à tradição judaica. Enquanto em Canela ocorria mais um Festival de Teatro de Bonecos, o Teatro de Arena de Porto Alegre promovia o I Seminário de História do Teatro Gaúcho.
Em novembro, o Grupo Corpo deu o ar de sua graça, com o espetáculo Gil, que decepcionou. A outra obra do programa, embora já conhecida, alegrou a todos os admiradores do grupo mineiro. De fato, Sete ou oito peças para um ballet tem tudo aquilo que faltou a Gil, especialmente empolgação por parte dos bailarinos. No penúltimo mês do ano, conhecemos, ainda, Censuradas - SOS mulheres em Vênus ou travestis na porta do céu, forte reflexão a respeito do preconceito contra LGBTs no País; ao mesmo tempo, Patsy Cecatto estreava Não se mata pintassilgo, originalmente sua obra de criação em curso de mestrado em Escrita Criativa, agora transformado em espetáculo teatral. O trabalho vai ser lançado em livro durante o Porto Verão Alegre, quando o espetáculo voltará a ser encenado.
Encerrando o ano, praticamente, tivemos Em chamas, dramática transposição para a cena de um texto de autora indiana, jamais encenada entre nós, e que faz a denúncia de preconceitos que redundam em assassinatos massivos, em seu país, mas que vale para todas as situações semelhantes, inclusive no Brasil. Nesse mês, ainda estreou o espetáculo de dança Sambaracotu, no Institutro Ling e, do Centro do País, Um dia a menos, peça que comemorou os 35 anos de carreira da atriz Ana Beatriz Nogueira, a partir de um conto de Clarice Lispector, um dos últimos produzidos pela grande escritora brasileira.
Em dezembro, enfim, ainda houve fôlego para recebermos outra montagem do eixo Rio-São Paulo: Parabéns, Senhor Presidente, texto de Fernando Duarte e Rita Elmôr, com Danielle Winits e Christine Fernandes. Se a dramaturgia não foi plenamente realizada, o espetáculo de Fernando Philbert soube se equilibrar e, sobretudo, as excelentes performances das atrizes emocionaram a todos.
Para fechar com chave de ouro o ano que, como se disse, foi difícil, mas que nem por isso perdeu sua dinamicidade, o jovem Patrick Bubblitz estreou uma versão reduzida de Os miseráveis, formato musical, sem cenários, mas com um belo elenco de cantores e que lotou o teatro, arrancando aplausos entusiasmados e projetando potencialidades interessantes para um futuro próximo.

Os destaques do ano 

Meierhold está entre os melhores espetáculos da temporada

Meierhold está entre os melhores espetáculos da temporada


Lucas Gheller/divulgação/jc
Dentre os melhores espetáculos de 2019, podemos destacar Milhões contra um, com texto de Raul Germano Brandão, direção de Ricardo Zigomático, curiosa montagem a partir de um texto de dramaturgo português das primeiras décadas do século XX. Teve como destaques o cenário de Marco Fronckowiack, a trilha sonora de Vitório O. Azevedo, o figurino de Antonio Rabadan e a maquiagem de Elison Couto. Valeu pelo esforço e pela revelação, colocando logo no mês de março a cena porto-alegrense em destaque.
Outro espetáculo que fugiu aos padrões foi Deus é um DJ, texto do alemão Falk Richter, com direção de Alexandre Dihl. O trabalho foi apresentado em espaço incomum, no Instituto Goethe, exigindo ambientação especial de Reynaldo Neto, com interpretações destacadas de Louise Pierosan e Gustavo Susin. De novo, não se trata de um trabalho perfeito, mas valeu o esforço e a revelação, para nosso público, de um dramaturgo contemporâneo até então inédito entre nós.
Ainda em março estreou, na Terreira da Tribo, a nova produção do grupo Ói nóis aqui traveis, o texto do argentino Eduardo Pavlovsky, Meierhold, reflexão a respeito da responsabilidade do artista em sociedades em crise, a partir da polêmica figura do grande realizador russo, que acabou perseguido e morto pelo regime estalinista. Paulo Flores teve atuação soberba em espetáculo de criação coletiva, com densa trilha sonora de Johan Alexandre de Souza e cenografia extremamente criativa de Eugênio Barboza e Clélio Cardozo. Foi, sem dúvida, o melhor espetáculo de toda a temporada, quer pela qualidade intrínseca, quer pela oportunidade da reflexão proposta, em tempos de perseguição à cultura por parte do governo federal.
O Instituto Goethe ainda protagonizou o financiamento de montagens de outros dramaturgos alemães, gerando, por exemplo, trabalhos como Expresso paraíso, dirigido por Maurício Casiraghi, com cenografia de Rodrigo Shalako. O projeto do Goethe é fazer com que um mesmo texto receba duas montagens. Neste caso, a peça de Thomas Köck teve esta encenação e a de João de Ricardo, que se chamou Tocar paraíso, igualmente bastante afirmativo.
Desirée Pessoa, através do Grupo NEELIC, encenou Merda, abrindo ao público o espaço próprio do grupo. Trata-se de espetáculo pesado, em que a própria diretora se destaca como intérprete, tendo ainda as participações de Adriano Roman, Rodrigo Santiago e Samuel Oliveira, com especial atenção para a ambientação de Paula Olivo.
Deborah Finocchiaro voltou a estrear um espetáculo inédito, com Diário secreto de uma secretária bilíngue, escrito por ela mesma e por Vinicius Piedade, sobre a violência com que o sistema capitalista livra-se das pessoas - e dos trabalhadores, especialmente - quando entende que não lhe servem mais. Por trás da comédia, a atriz faz refletir a respeito destes difíceis tempos de desregulamentação do trabalho assalariado e formal.
A diretora Liane Venturella assinou 2068, que estreou em agosto, mesclando atores que manipulam/vestem-se como bonecos. É um espetáculo distópico, que aborda a crescente desumanização da contemporaneidade. Os bonecos de Rita Spier e as máscaras de Fábio Cuelli são simplesmente impactantes, e a dramaturgia, da própria diretora com o grupo, é dura e pesada, mas oportuna.
Por fim, destaco anda a interpretação de Heinz Lima Verde em Desmedida Naitchy Club, apresentado em setembro, em que a Cia. Rústica, dirigida por Patrícia Fagundes, festejou seus 15 anos, com uma série de remontagens de espetáculos anteriores, mas relativamente pouco vistos na cidade. Vindos de fora do Estado, creio que a remontagem de O mistério de Irma Vap e o trabalho-solo de Denise Fraga, Eu de você, foram os dois grandes trabalhos a serem reconhecidos.
Encerrando esta síntese, creio ser dever destacar o esforço do maestro Evandro Maté que, à frente quer da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, quer da Orquestra de Câmara Theatro São Pedro, buscou trazer a ópera de volta a nossos palcos, fixando-se em óperas de câmara, do período barroco, que não apenas são mais fáceis de serem encenadas quanto aproximam o público de um tipo pioneiro de espetáculo pouco divulgado entre nós.
O ano de 2019 foi assim: apesar das dificuldades impostas pelo governo federal, que, não satisfeito em cortar verbas para a cultura, perseguiu e buscou demonizar artistas, encontrou compensações nas políticas estadual e municipal e em alguns apoios de empresas cujos responsáveis entendem a importância da reflexão crítica através da arte. Talvez por isso mesmo, o ano foi marcado por espetáculos essencialmente políticos (não partidários) e críticos, o que evidencia que a arte continua viva, felizmente.