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Teatro

- Publicada em 22 de Novembro de 2019 às 03:00

A outridade incompreendida

Primeira dramaturga indiana a ser reconhecida no exterior de seu país, Manjula Padmanabhan é filha de diplomatas. Escreve para crianças, produz histórias em quadrinhos e a peça Em chamas (Lights out), de 1984, inspirou-se em acontecimentos do Norte de seu país, a chamada Revolta de Gujarat, que levou à matança de mais de 3 mil muçulmanos. Pela primeira vez montado no Brasil, o espetáculo, de pouco mais de hora e meia de duração, é assinado por Matheus Melchiona, formado em direção dramática pelo DAD da Ufrgs, com orientação da diretora Patrícia Fagundes. O texto foi traduzido por Manoela Wolff e constituiu seu trabalho de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Letras da Pucrs. Ou seja, o trabalho resulta de uma síntese de aprendizados importantes, ao nível da universidade, e embora o texto complete cerca de 25 anos de existência e se refira a um outro contexto, é lamentavelmente oportuno para o atual contexto brasileiro. De que fala Em chamas? Fala da outridade, ou seja, dos choques decorrentes das diferenças étnicas e culturais, mesmo ideológicas, quando as mesmas não são admitidas ou respeitadas entre os diferentes cidadãos que convive3m em um determinado território.
Primeira dramaturga indiana a ser reconhecida no exterior de seu país, Manjula Padmanabhan é filha de diplomatas. Escreve para crianças, produz histórias em quadrinhos e a peça Em chamas (Lights out), de 1984, inspirou-se em acontecimentos do Norte de seu país, a chamada Revolta de Gujarat, que levou à matança de mais de 3 mil muçulmanos. Pela primeira vez montado no Brasil, o espetáculo, de pouco mais de hora e meia de duração, é assinado por Matheus Melchiona, formado em direção dramática pelo DAD da Ufrgs, com orientação da diretora Patrícia Fagundes. O texto foi traduzido por Manoela Wolff e constituiu seu trabalho de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Letras da Pucrs. Ou seja, o trabalho resulta de uma síntese de aprendizados importantes, ao nível da universidade, e embora o texto complete cerca de 25 anos de existência e se refira a um outro contexto, é lamentavelmente oportuno para o atual contexto brasileiro. De que fala Em chamas? Fala da outridade, ou seja, dos choques decorrentes das diferenças étnicas e culturais, mesmo ideológicas, quando as mesmas não são admitidas ou respeitadas entre os diferentes cidadãos que convive3m em um determinado território.
O texto de Manjula Padmanabhan estrutura-se em blocos: no primeiro, após uma espécie de ritual que é retomado ao final do espetáculo, há uma reflexão a respeito do conceito de país. Depois, encontramo-nos com três blocos que enfrentam situações diversas: um homem relembra como ajudou a matar alguém que fugia de uma multidão e tornou-se, ele próprio, um matador dos que não fossem como ele, até transformar-se também numa vítima; depois, temos uma apresentadora de televisão que, em um país conflagrado, quer apenas ouvir e transmitir boas novas a seus telespectadores, falsificando radicalmente a realidade; por fim, um animador de um programa de auditório propõe um jogo de completar palavras, jogo aliás, muito popular também aqui no Brasil, chamado forca, com a diferença de que os jogadores não podem escolher desistir do jogo e nem errar o palpite, sob pena de serem executados; a negativa ao jogo, embora permanecendo no espaço do auditório, leva à execução de outras vítimas de que apenas ouvimos os gritos. Em certo momento, contudo, a palavra proposta é completada, mas imediatamente o animador do programa muda as regras do jogo e tudo recomeça. O espetáculo se encerra com uma nova reflexão, esta mais poética, a respeito do anonimato a que são condenadas as vítimas de tais chacinas e morticínios.
Lauro Fagundes anima o primeiro quadro, com ênfase e emoção; Gabriela Greco, que há muito não frequentava os palcos da cidade, é a apresentadora televisiva, cheia de cinismo mas também de desespero; compõe uma figura difícil, porque bastante nuançada; Luiz Manoel, com uma caracterização impressionante, incorpora o animador de auditório do terceiro quadro; por fim, Denizeli Cardoso encerra o espetáculo, numa passagem poética, mas igualmente incisiva: os quatro intérpretes estão muito seguros e evidenciam nestas interpretações, a mão segura do diretor.
O espetáculo não possui cenário. Apenas telões sobre os quais se projetam imagens de vídeo: Paula Pinheiro e o próprio diretor respondem por esta ambientação, enquanto a mesma Paula Pinheiro assina os vídeos. Os figurinos, de alta criatividade e muito caracterizadores dos personagens, são obra de Antonio Rabadan, e merecem destaque. A concepção como um todo do espetáculo evidencia um diretor criativo, seguro de seu trabalho e capaz de dar visibilidade às palavras do texto dramático, quer nas rubricas (didascálias), quer nas falas dos personagens.
Variando do dramático ao cínico e ao jocoso, e depois dirigindo-se ao poético, Em chamas é um espetáculo que quebra a rotina de nossos palcos por todos estes motivos: revela uma dramaturga de um país do qual desconhecemos tudo; mostra um elenco afinado e seguro, uma criação coletiva de excelente qualidade e, sobretudo, revela um jovem diretor que mostra a que veio, sem qualquer medo de arriscar, certamente tendo forte influência de sua orientadora de curso. É um espetáculo superior, que precisa ser visto e valorizado, especialmente por sua oportunidade e por sua coragem.
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