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Teatro

- Publicada em 04 de Outubro de 2019 às 03:00

Por trás do riso, a denúncia

A diretora Patrícia Fagundes está no auge de suas possibilidades, realizando um sem-número de espetáculos. Agora mesmo, nas comemorações dos 15 anos da Cia. Rústica de Teatro, que ela coordena, faz pequena temporada na Sala Álvaro Moreyra com três diferentes espetáculos, começando por Desmedida naitchy club. Este trabalho já foi apresentado anteriormente no Ponto de Teatro do Instituto Ling.
A diretora Patrícia Fagundes está no auge de suas possibilidades, realizando um sem-número de espetáculos. Agora mesmo, nas comemorações dos 15 anos da Cia. Rústica de Teatro, que ela coordena, faz pequena temporada na Sala Álvaro Moreyra com três diferentes espetáculos, começando por Desmedida naitchy club. Este trabalho já foi apresentado anteriormente no Ponto de Teatro do Instituto Ling.
Em cerca de uma hora de espetáculo, Heinz Limaverde personifica uma drag queen em dois diferentes momentos: no seu camarim e já no palco. Diferentemente do trabalho anterior, também solo, em que Limaverde interpretava um integrante imaginário de circo, com poesia e graça, aqui o tom, embora histriônico e muitas vezes cômico, é mais amargo: falar dos tempos atuais chama a piada só enquanto denúncia da situação vivida, jamais enquanto uma simples e despretensiosa brincadeira.
Preconceitos, retrocessos, os novos personagens do politicamente errado que tenta se tornar certo, o desrespeito à pessoa humana e sua variada condição, a dificuldade de se reconhecer e respeitar o outro. Tudo isso aparece e povoa o espetáculo, que tem, ainda, a participação ativa e ao vivo do contrarregra, compositor e intérprete Kevin Brezolin, com excelente performance.
Heinz Limaverde é um ator que ocupa conscientemente o espaço do palco, seja ele grande ou mais intimista, como neste caso. E não é apenas porque ele é uma pessoa grande, mas sim porque, sobretudo, ele é um grande artista. A respeito de Limaverde, deve-se dizer, sem medo de errar, que ele nasceu para o teatro. Veio do Ceará e aqui encontrou seu espaço, sendo hoje plenamente reconhecido, admirado e respeitado por seus colegas de arte. Em meio aos objetos cenotécnicos e à cenografia minimalista de Rodrigo Shalako, Limaverde incorpora seu personagem sem qualquer afetação, transmitindo-lhe densidade e humanidade. Ele é criativo, não artificializa qualquer intervenção, e assim atravessa toda a duração do espetáculo, dando recados, brincando e, sobretudo, mostrando sua versatilidade enquanto intérprete. A iluminação de Eduardo Kramer compõe boas passagens de tempo, enquanto os figurinos criados por Naray Pereira e pelo próprio ator permitem-lhe alcançar identidades diferenciadas para cada momento.
Não sei o quanto do texto a que assistimos tem de contribuição de Patrícia ou de Heinz Limaverde. Mas a verdade é que as narrativas são interessantes, as situações são significativas e o desdobramento de cada situação sempre traz alguma coisa de inusitado e de instigante, inclusive nos números de dublagem, em que o ator se coloca com humilde fidelidade ao modelo original sobre o qual se apoia para realizar sua performance.
O ritmo do espetáculo está bem dosado. Não é alucinante, como muitos desses tipos de espetáculo costumam perseguir, nem é tão lento que nos leva ao desinteresse. No conjunto, há variações bem dosadas, variações essas que são caracterizadas a partir dos diferentes figurinos que são trocados em cena. É como se diferentes peles constituíssem o ator Heinz Limaverde, permitindo-lhe vestir-se ou desvestir-se conforme a necessidade. No espetáculo a que assisti, Limaverde recebia, ainda, Gabi Granada, que também trouxe uma performance de dublagem, enriquecendo ainda mais a montagem.
Simples, sem rebuscamento, mas com sensibilidade e inteligência, Desmedida naitchy club é um bom momento para a gente pensar a respeito do teatro, ao mesmo tempo em que se diverte com esta arte sempre renovável e renovadora. É também o momento de se refletir a respeito das contraditórias características e tendências do momento atual em nosso País, em que "ser diferente", fora do convencional, transforma-se praticamente num crime cujo responsável deve ser, não apenas execrado quanto eliminado.
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