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Teatro

- Publicada em 05 de Setembro de 2019 às 21:17

Renovar um texto é revitalizar o teatro

O retorno de um grande sucesso teatral não é garantia de novo sucesso. Sobretudo quando a nova equipe decide, de certo modo, desconstruir o espetáculo anterior, o quer não quer dizer negá-lo mas, sim, relê-lo de outro modo.
O retorno de um grande sucesso teatral não é garantia de novo sucesso. Sobretudo quando a nova equipe decide, de certo modo, desconstruir o espetáculo anterior, o quer não quer dizer negá-lo mas, sim, relê-lo de outro modo.
O diretor Jorge Farjalla resolveu enfrentar este desafio. Dele assistimos, recentemente, na cidade, a dois espetáculos baseados em textos do dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues. Nos dois ele mostrou criatividade e capacidade de releituras inovadoras. No caso de O mistério de Irma Vap, do norte-americano Charles Ludlam, ele não apenas relê o texto original quanto desconstrói o espetáculo anteriormente produzido no Brasil, com dois verdadeiros ícones da comédia nacional, Marco Nanini e Ney Latorraca. Juntando-se a Mateus Solano e Luis Miranda, Farjalla, ainda por cima (sobretudo no atual contexto) coloca em cena um ator branco e um ator negro, que não apenas contracenam quanto fazem intervenções travestidas e, nesta condição, o ator branco encarna a heroína do enredo, Lady Enid, loucamente apaixonada por Lord Edgar que, por sua vez, ainda guarda fortes relações com a primeira esposa falecida, Irma Vap, por seu lado, endeusada pela governanta Jane Twisden, enquanto o faz-tudo da propriedade, Nicodemus Underwood acaba se apaixonando pela nova proprietária da mesma. É a partir deste quiproquó que o enredo se desenvolve, na criação dos anos 1980, de certo modo abrindo caminho para um tipo de espetáculo paródico que, no Brasil, viria a ser denominado "besteirol".
A primeira novidade é, justamente, esta desconstrução: tudo o que extasiava o público, na primeira montagem - o ritmo alucinante das cenas sucessivas em que os dois únicos atores alternavam os personagens e trocavam seus figurinos, não obstante ficava, de certo modo, escondido para o público. Agora, ao contrário, tudo é escrachadamente revelado, como que quebrando os "mistérios" de encenação mas, por outro lado, encantando a plateia ao justamente revelar a maneira pela qual o espetáculo é concretizado. Neste sentido, ganham importância os integrantes da banca musical que são, também, espécies de contrarregras dos dois atores, pois cabe a eles produzirem os ruídos e auxiliarem os intérpretes na colocação/troca de figurinos ou, enfim, na introdução e ou retirada de equipamentos ou adereços de cena, toda ela ambientada, simultaneamente, na casa de Lord Edgar que é por seu lado, um parque de diversões daqueles que apresentam atrações aterrorizantes, com trovões, vozes cavernosas, luzes estroboscópicas ou figuras fantasmáticas que atravessam a cena, isso, para não falar do quadro de Irma Vap, que é trocado sucessivamente.
O principal motivo do sucesso, contudo, não sofreu qualquer modificação e, pelo contrário, foi anda mais valorizado: é o texto de ritmo extremamente acelerado, com diálogos curtos, com a alternância dos personagens, com a multiplicação de cenas e as reviravoltas constantes do enredo. Daí que as quase duas horas de duração passam sem qualquer cansaço para o espectador, porque ele está permanentemente preso ao palco, já que qualquer piscadela pode significar a perda de alguma cena importante. Registre-se, por fim, a contribuição específica da equipe, que introduz alguns cacos, numa espécie de exploração metalinguística, quer de personagens e situações do teatro e da televisão brasileiros, como o Zé Bonitinho de A escolinha do Professor Raimundo, quer a Madame Sheila de Terça insana. Os figurinos de Karen Brustolin são muito práticos e permitem a sua troca constante, enquanto o cenário de Marcos Lima é tão multicolorido quanto sugestivo nas tonalidades escuras que contrastam com uma iluminação forte e dura.
É teatro de diversão, mas é sobretudo a ratificação do milagre que a arte teatral é capaz: decorar aquele texto, seguir à risca a marcação de cena, identificar entradas e saídas, garantir os ritmos exatos do encontro/desencontro dos atores, enfim, o mistério e a fascinação do teatro aí estão apresentados em grau máximo. Jorge Farjalla mostra não apenas competência: ele evidencia que sabe exatamente o que seja.
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