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Teatro

- Publicada em 09 de Agosto de 2019 às 03:00

Ruth de Souza e a dignidade

Faleceu, no dia 28 de julho, a atriz Ruth Pinto de Souza, a primeira atriz negra a pisar o palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a primeira atriz brasileira a receber um prêmio no Festival de Cinema de Veneza, pioneira no teatro, no cinema e na televisão brasileiras. Estava completando 98 anos de idade, tendo estreado no teatro aos 17 anos, em 1945, como participante do Teatro Experimental do Negro, sob a direção de Abdias do Nascimento, mais tarde seu primeiro companheiro. A peça, O imperador Jones, de Eugene O'Neill, teve os direitos cedidos gratuitamente pelo dramaturgo norte-americano ao grupo brasileiro. Há vários registros importantes a respeito da vida e da carreira de Ruth de Souza, mas os mais importantes, certamente, são um depoimento seu estampado na edição 28 da revista Dionysos, da então Fundação Nacional de Artes Cênicas, ligada ao Ministério de Cultura, em 1988. Sob o título Pioneirismo e luta, Ruth relembra a aproximação com o TEN: "Li uma vez num número da revista Rio sobre um grupo que pretendia fazer um teatro de negros. Aquilo me encantou e Mrs. Lambert (sua professora de inglês na escola) me acompanhou à Une, para o meu primeiro contato com esse grupo. Fiz um pequeno teste, lendo um trecho, já para participar da montagem de O Imperador Jones. Era um bando de gente - eu nunca tinha visto tanto entusiasmo e fiquei deslumbrada".
Faleceu, no dia 28 de julho, a atriz Ruth Pinto de Souza, a primeira atriz negra a pisar o palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, a primeira atriz brasileira a receber um prêmio no Festival de Cinema de Veneza, pioneira no teatro, no cinema e na televisão brasileiras. Estava completando 98 anos de idade, tendo estreado no teatro aos 17 anos, em 1945, como participante do Teatro Experimental do Negro, sob a direção de Abdias do Nascimento, mais tarde seu primeiro companheiro. A peça, O imperador Jones, de Eugene O'Neill, teve os direitos cedidos gratuitamente pelo dramaturgo norte-americano ao grupo brasileiro. Há vários registros importantes a respeito da vida e da carreira de Ruth de Souza, mas os mais importantes, certamente, são um depoimento seu estampado na edição 28 da revista Dionysos, da então Fundação Nacional de Artes Cênicas, ligada ao Ministério de Cultura, em 1988. Sob o título Pioneirismo e luta, Ruth relembra a aproximação com o TEN: "Li uma vez num número da revista Rio sobre um grupo que pretendia fazer um teatro de negros. Aquilo me encantou e Mrs. Lambert (sua professora de inglês na escola) me acompanhou à Une, para o meu primeiro contato com esse grupo. Fiz um pequeno teste, lendo um trecho, já para participar da montagem de O Imperador Jones. Era um bando de gente - eu nunca tinha visto tanto entusiasmo e fiquei deslumbrada".
Neste depoimento, Ruth de Souza relembra o ambiente cultural do Rio de Janeiro, centralizado num certo Café Vermelhinho, onde conheceu e conviveu com Candido Portinari, Nelson Rodrigues - de quem viria a interpretar, entre outras obras, O anjo negro - o cenógrafo Santa Rosa, os atores Sergio Cardoso e Sérgio Brito, o pintor Di Cavalcanti, o pintor Aldemir Martins e assim por diante.
Mas foi Paschoal Carlos Magno, que então assinava uma coluna de crítica teatral e era entusiasmado por seu trabalho, quem lhe arranjou uma bolsa de estudos para os Estados Unidos. Foi deste modo que Ruth de Souza chegou à universidade, fora do Brasil...
Do mesmo O'Neill, Ruth de Souza viveu Todos os filhos de Deus têm alma, e de Lúcio Cardoso, O filho pródigo. Ela escolhia textos e autores, embora isso não fosse, necessariamente, garantia de sucesso. Não se pode esquecer que, na época, só atores e atrizes brancos pisavam no palco. Se houvesse um personagem negro, havia que "pintar" um ator ou atriz brancos. Ruth de Souza quebrou este preconceito, ao lado, entre outros, de Grande Othelo e, claro, do próprio Abdias do Nascimento.
Outro livro importante para se compreender a carreira da atriz é o longo depoimento que ela dá a Simon Khoury e que aparece no sexto volume da série Teatro brasileiro - Bastidores. Pinço algumas passagens:
"O que mais fazia você sofrer quando era criança? 'Desde menina, ficava admirada, me espantava muito, quando algumas pessoas me tratavam com desprezo: Ih, lá vem aquela negrinha!'
O que eu fiz (para vencer isso)? Resolvi tirar dez em todas as matérias e ser a primeira da classe, só para provar que não tinha cérebro atrofiado. Sempre fui a primeira da classe e, até hoje, luto para ser a melhor.
Cansei de tentar compreender os homens e cheguei à conclusão que eles são apenas crianças grandes e agora estou sem tempo para ficar brincando do Advinha o que é, cabra-cega ou esconde-esconde...
Quando alguém fazia mal a você, reagia ou recuava? Chorava. E hoje? Faço chorar.
Eu também queria ser um anjinho, e fui proibida pelo Padre castelo Branco que, quando soube do meu desejo, explodiu: Onde já se viu anjo preto? Não existe anjo preto! Fui para casa decepcionada. Minha mãe me colocou o vestidinho da primeira comunhão, um véu na cabeça, uma vela acesa na mão e disse: - Você vai ser mais que um anjo, vai ser Santa Terezinha de Jesus. O Padre Castelo Branco tinha se esquecido de que Nossa Senhora da Aparecida é bem negra!"
Ruth saiu da cena, deve estar revolucionando o firmamento. Mas, sobretudo, deixou exemplo de firmeza, de consciência, de talento, de disciplina e de profissionalização. Hoje, há dezenas de atores e atrizes negros que seguem seu caminho. E num momento em que parece que vamos regredir, é fundamental que sua morte não passe despercebida, nem sua vida fique esquecida. Eis, pois, a homenagem desta coluna. Obrigado, Ruth de Souza, pelos seus mais de 25 peças teatrais, 30 novelas de televisão, quase 50 filmes. Nos próximos dias, ainda veremos as últimas cenas que ela gravou, em diferentes obras. Exemplo a ser seguido, história a ser respeitada e valorizada.
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