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Teatro

- Publicada em 12 de Julho de 2019 às 03:00

O outro lado do paraíso

A sequência do Projeto Transit, que vem sendo desenvolvido pelo Instituto Goethe, em Porto Alegre, permitiu que se assistisse à segunda montagem da peça Paradies spielen, que a Cia. Espaço em Branco de Teatro traduziu como Tocar paraíso (ou foi a tradutora Christine Höhrig?), mas eu continuo preferindo traduzir como Jogar com o paraíso, pelo próprio debate que a peça do austríaco Thomas Köck propõe. Esta segunda montagem é mais provocativa, mais revolucionária e mais inovadora que a anterior, mas fazer estas observações não é, necessariamente, um juízo de valor que estabeleça uma hierarquia entre os dois espetáculos. É apenas a sua diferenciação.
A sequência do Projeto Transit, que vem sendo desenvolvido pelo Instituto Goethe, em Porto Alegre, permitiu que se assistisse à segunda montagem da peça Paradies spielen, que a Cia. Espaço em Branco de Teatro traduziu como Tocar paraíso (ou foi a tradutora Christine Höhrig?), mas eu continuo preferindo traduzir como Jogar com o paraíso, pelo próprio debate que a peça do austríaco Thomas Köck propõe. Esta segunda montagem é mais provocativa, mais revolucionária e mais inovadora que a anterior, mas fazer estas observações não é, necessariamente, um juízo de valor que estabeleça uma hierarquia entre os dois espetáculos. É apenas a sua diferenciação.
No caso desta nova montagem, temos parte da trilha sonora de Daniel Roittman e Rodrigo Fernandez interpretada ao vivo. Para isso, um piano está colocado ao lado do palco, ainda que, mais ao final do espetáculo (aliás, quando ele não é mais usado como instrumento musical, mas como um simples objeto cênico) ele é trazido para o centro do palco. Esta forte presença da música, aliás, é enfatizada com a perspectiva do diretor João de Ricardo, que aparece em cena, enquanto um maestro, e o espetáculo é, neste sentido, uma encenação (operística) a que o público acompanha, por cerca de duas horas e pouco mais.
É significativo que, a partir de um mesmo texto, tenhamos dois espetáculos tão diversos, tão distantes e, ao mesmo tempo, ambos tão propositivos e criativos. No caso deste novo trabalho, a cenografia é mínima, o espaço é ocupado sobretudo pelos corpos dos intérpretes, além de um sem número de elementos cênicos e tecnologias sonoras e de iluminação, a cargo do próprio diretor e de Lucca Simas. Os figurinos, extremamente inesperados, múltiplos e desconcertantes, até certo ponto, são obra do próprio grupo.
No enredo da peça, pode-se encontrar um trem desgovernado, que corre enlouquecidamente pela noite, carregando seus espantados, depois medrosos e, enfim, desesperados passageiros. Este trem é a metáfora do capitalismo e sua desenfreada corrida... a nada. Em torno desta ação dramática, temos uma outra, que é seu contraste e, ao mesmo tempo, de certo modo, a ilustração do descalabro que ele provoca (o capitalismo, não o trem, evidentemente): a miséria das duas chinesas, que saem de seu país em direção à Itália e ali soçobram; o homem que foi inteiramente queimado e que agora está à espera de uma (im)provável recuperação, enquanto o filho, que o visita, nega-se a entrar no espaço em que se encontra encerrado (preso para sobreviver) etc.
É interessante lembrar-se que o poeta do futurismo, na segunda década do século XX, o italiano Marinetti, cantava, em seus poemas, as máquinas como o grande símbolo do progresso (capitalista). Exato um século depois (estamos em 2019) a mesma máquina (neste caso, um trem) está representado enquanto uma máquina desgovernada e mortífera: ele mata tanto os passageiros que nele viajam e que dele não podem escapar, quanto mata todos os demais que acabam sendo por ele atingidos.
A encenação de João de Ricardo é absolutamente rigorosa. Por trás de uma aparente liberdade, algazarra e fragmentação do espetáculo, existe um pulso muito firme de um diretor (não é por nada que ele surge enquanto um maestro). É o diretor que garante o ritmo, conduz o movimento cênico, desafia o espectador a piscar o olho sem perder alguma coisa de tudo o que está acontecendo caleidoscopicamente no palco. O impacto provocado por este movimento alucinante e alucinatório é tanto mais forte quanto a proximidade do público com a cena, na medida em que algumas ações saem do palco e chegam até a plateia.
Assistir a Tocar paraíso, por isso mesmo, é uma inesquecível experiência teatral, que envolve, provoca e impacta mas que, sobretudo, apresenta todas as virtualidades e potencialidades que a arte do teatro possibilita.
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