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Teatro

- Publicada em 13 de Junho de 2019 às 21:21

Alguma demasia, mas ainda admirável

A dramaturgia contemporânea, em especial a europeia e, sobretudo, a germânica, tem se notabilizado pela quebra da cronologia e a fragmentação do relato. Para o diretor de um espetáculo baseado em tais textos há, de um lado, a liberdade de criar infinitamente a partir de tais textos, preenchendo os vazios que os mesmos trazem propositadamente. Por outro lado, a dificuldade da montagem, em geral, é enorme porque exige que o metteur en scène se torne uma espécie de codramaturgo, preenchendo tais vazios. O resultado é desafiador e, igualmente, contraditório.
A dramaturgia contemporânea, em especial a europeia e, sobretudo, a germânica, tem se notabilizado pela quebra da cronologia e a fragmentação do relato. Para o diretor de um espetáculo baseado em tais textos há, de um lado, a liberdade de criar infinitamente a partir de tais textos, preenchendo os vazios que os mesmos trazem propositadamente. Por outro lado, a dificuldade da montagem, em geral, é enorme porque exige que o metteur en scène se torne uma espécie de codramaturgo, preenchendo tais vazios. O resultado é desafiador e, igualmente, contraditório.
Daí a bela ideia do Goethe Institut de, a cada ano, escolher um dramaturgo de expressão germânica para ser apresentado ao público brasileiro a partir de espetáculos de dois diferentes diretores. Nesta temporada, a vez é do jovem Thomas Köck (cuidado, não é o tenista), nascido em Steyr (Áustria). Desde seus primeiros textos foi reconhecido e premiado, como no caso de Para além de Fukuyiama (alusão ao historiador japonês que declarou o fim da História), em 2014, e Isabelle Huppert, de 2015, alusão a uma atriz, anda viva, considerada a "dama do cinema francês".
Em 2016, enquanto dramaturgo contratado do National Theater Mannheim, escreveu e estreou Paradies Spielen, terceira parte de uma ainda inédita Trilogia do clima. Ao pé da letra, o título da peça significa "Jogar o paraíso", o que melhor se explica pelo subtítulo, Abendland, ein Abgesang, ou seja, "O Ocidente, uma fantasmagoria" (um sonho enganoso). Em Porto Alegre, as duas montagens vêm assinadas, respectivamente, por Maurício Casiraghi (Expresso paraíso, para a Ato Cia. Cênica), e João de Ricardo (Tocar paraíso, para a Cia. Espaço em Branco).
No fim de semana passado, tivemos mais uma curta temporada de Expresso paraíso. O espetáculo do último domingo, a que assisti, teve um auditório do Instituto Goethe absolutamente lotado, o que mostra a boa receptividade deste projeto.
Num mapeamento que busquei organizar, a partir da encenação, identifiquei 12 diferentes cenas. O espetáculo a que assistimos mistura dramaturgia (em sentido estrito), passagens poéticas (verdadeiros poemas em prosa) e sugestões coreográficas (pequenos balés): no caso dos poemas e das coreografias são cenas de passagem que unem duas narrativas principais, que vão se encontrar ao final do espetáculo. De um lado, um trabalhador chinês totalmente queimado numa fábrica que trabalha com lítio. Esta é a primeira cena e a última. No enredo, um casal chinês abandona seu país em busca de um paraíso no ocidente, uma cidade italiana onde esperam poder recomeçar a vida (daí o título da peça). Esta é a trama principal e a denúncia central: a liberdade no Ocidente é uma fantasmagoria, não existe, é um engodo.
A outra narrativa envolve dois casais e uma jovem que viaja sozinha. Todos estão num trem que corre desgovernado, no sentido contrário daquele em que viajou o casal chinês, que sai de sua pequena cidade no Oriente, atravessa a China, a Rússia e boa parte da Europa, na direção Oeste, até chegar na Itália, seu paraíso sonhado. O outro trem, ao contrário, sai de uma cidade média alemã e vai invadir o espaço construído de uma grande fábrica chinesa. Não há lógica possível em nenhum destes roteiros, mas eles permitem que o dramaturgo junte as duas pontas: o trem que se choca com a fábrica chinesa e queima o trabalhador duplica um trabalhador chinês que acaba incendiado numa fábrica italiana constituída só por trabalhadores praticamente escravizados.
O espetáculo é denso, tenso, desafiador. Uma maquete de um trem elétrico, na boca de cena. Os bancos de um trem de luxo alemão, o espaço do hospital onde o homem, internado, luta para recuperar-se, os espaços da fábrica chinesa e da fábrica italiana (exatamente os mesmos), porque a mesma é a exploração e a coisificação humana. Não conheço o texto de Köck, mas deve ser provocativo. Vale destacar, além da precisão cirúrgica (sem trocadilhos), de Maurício Casiraghi, a ambientação cênica de Rodrigo Shalako, a iluminação de Luciana Tondo e os figurinos de Deh Dullius, para além da trilha sonora de Caio Amon. O elenco é estupendo, equilibrado: Arlete Cunha, Mirna Spritzer, Danuta Zaghetto, Marcelo Mertins, Mariana Rosa, Paulo Roberto Farias e Rossendo Rodrigues.
Da versão a que assisti, diria que o discurso final (por Arlete Cunha) é desnecessário: se a peça precisa de discurso, é uma obra ruim, o que não é o caso; e a última cena, neste sentido, é canhestra, também desnecessária. A cena com o suicídio da mulher chinesa é mais do que explícita e sintetiza toda a ideia da peça. Em todo o caso, isso não tira a importância nem do autor e, muito menos, da montagem, ambos admiráveis.
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