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Teatro

- Publicada em 03 de Maio de 2019 às 03:00

Onde estamos nós, afinal?

A proposta do Coletivo Gaivota, do Laboratório Cênico Leo Maciel, de fazer uma leitura atualizada da dramaturgia do russo Anton Tchekhov, em princípio, é interessante e pode ser produtiva. Isso significa, contudo, que o responsável por tal realização conheça bem, tanto o contexto histórico e estético de Tchekhov, quanto o contexto histórico brasileiro atual, sem o que corre-se o risco de leitura artificial ou equivocada.
A proposta do Coletivo Gaivota, do Laboratório Cênico Leo Maciel, de fazer uma leitura atualizada da dramaturgia do russo Anton Tchekhov, em princípio, é interessante e pode ser produtiva. Isso significa, contudo, que o responsável por tal realização conheça bem, tanto o contexto histórico e estético de Tchekhov, quanto o contexto histórico brasileiro atual, sem o que corre-se o risco de leitura artificial ou equivocada.
Três foram os textos de Tchekhov escolhidos para este encontro, A gaivota (1896), As três irmãs (1901) e O jardim das cerejeiras (1904). Tchekhov é obcecado pela consciência de que o Passado e o Presente estão ultrapassados, são velhos, e que o Futuro trará alguma coisa de novo. Tchekhov antecipa a queda da realeza e o surgimento da Revolução, o que, no entanto, só ocorrerá bem depois de sua morte, em 1917 (ele morreria em 1904).
As escolhas dos textos cobrem o conjunto de produção dramática do autor e, em última instância, ficaria faltando, dentre os textos mais referenciados, apenas o último deles, Tio Vânia (do mesmo ano de 1904). As três histórias estão envolvidas com a nostalgia do passado, o sentimento de deslocamento por parte dos personagens, suas frustrações e suas expectativas não alcançadas e, ao mesmo tempo, o anúncio, ainda que distante, de novos tempos. A dramaturgia de Tchekhov poderia acabar se tornando mecânica, não fora a humanidade de seus personagens. Não se pode dizer, nas peças do dramaturgo, que haja culpados e/ou inocentes. Na verdade, todos são, de certo modo, responsáveis pelas situações enfrentadas e, ao mesmo tempo, suas vítimas. Eles não poderiam ser e/ou fazer diferente. Tchekhov, consciente ou inconscientemente, emprega a teoria marxista para explicar, através de suas peças, tudo o que observava a sua volta. Não é surpresa que, por isso mesmo, o Teatro de Arte de Moscou, sob a direção de Konstantin Stanislawski o tenha escolhido como autor predileto para as suas encenações: distante - e felizmente - do chamado realismo socialista, Tchekhov foi capaz de Identificar os grandes problemas da sociedade de seu tempo, traduzindo-os com emoção e humanidade. Por isso, podemos discordar dos personagens, de suas posições, de seus pensamentos, mas não podemos deixar de senti-los emocionalmente.
A proposta do Coletivo Gaivota é interessante, oportuna, inclusive. Não podemos nos adiantar à História dizendo que vivemos qualquer momento pré-revolucionário. Mas não há dúvidas de que experimentamos um contexto de fim dos tempos, de modo que o debate proposto por Tchekhov não é, em absoluto, inusitado ou equivocado. Mas aí começam os desafios.
Em hora e meia de duração, Leo Maciel, que deve ser também o dramaturgista, ora transcreve cenas das peças tchekhovianas, ora nelas interfere, desenvolvendo seu próprio texto. O primeiro problema que encontramos, por consequência, é o de linguagem. As traduções de que dispomos dos textos de Tchekhov respeitam fielmente sua linguagem elevada (na linhagem realista, de personagens vinculados à nobreza ou a famílias tradicionais, ainda que do ambiente rural). Não é o que ocorre com a linguagem adotada por Maciel, contemporânea (a nós, espectadores), mais popular e que, por isso mesmo, oferece contraste por vezes marcado pela dissonância de registros.
Outra questão é o contexto. Podemos admitir tais aproximações, mas não podemos fabricá-las discursivamente: no entanto, é isso que ocorre, com um resultado de extrapolar as relações e forçar a barra, no sentido de fazer o dramaturgo dizer o quê, de fato, ele nunca disse ou pensou.
Outro desafio não resolvido é a idade dos atores em relação à densidade e à complexidade dos personagens. Não há a menor dúvida quanto à dedicação da equipe técnica (preparação vocal e coreografia de Angela Spiazzi; design de luz de Ricardo Vivian e Luciana Tondo; figurinos e maquilagem de Valquíria Cardoso, produção de Jaques Machado, etc.). Mas o elenco, esforçado, não alcança aquela densidade e aquela complexidade: fica sempre como que flutuando, sem mergulhar mais profundamente. E daí, o espetáculo, que tem na cenografia a sua maior afirmação (não referida no programa: será do próprio diretor?) derrapa nesta mesma fragmentação cênica e espacial que propõe. Não se alcança a unidade, ficam apenas as sugestões, saímos nos perguntando a respeito, afinal, das reais aproximações que justifiquem a chamada de Anton Tchekhov para falar Sobre nós.
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