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Teatro

- Publicada em 20 de Julho de 2018 às 01:00

Desafiando o desespero

Fisiologia do desespero é um espetáculo, sob todos os aspectos, oportuno e desafiador. A coreógrafa Eva Schul assina um trabalho desafiante, ao lado das bailarinas Carla Vendramini, Renata de Lélis e Viviane Lencina, que ela considera coautoras do trabalho. Em cerca de uma hora, cenas aparentemente fragmentadas são apresentadas diante do público, provocando-o a uma mais do que simples "assistência" a um espetáculo: há que acompanhar os movimentos, as palavras, os sons que alternadamente são apresentados.
Fisiologia do desespero é um espetáculo, sob todos os aspectos, oportuno e desafiador. A coreógrafa Eva Schul assina um trabalho desafiante, ao lado das bailarinas Carla Vendramini, Renata de Lélis e Viviane Lencina, que ela considera coautoras do trabalho. Em cerca de uma hora, cenas aparentemente fragmentadas são apresentadas diante do público, provocando-o a uma mais do que simples "assistência" a um espetáculo: há que acompanhar os movimentos, as palavras, os sons que alternadamente são apresentados.
O uso das cabeças de cavalos/asnos com que se inicia o espetáculo aproxima a condição humana da condição animal. De fato, o conceito de "fisiologia" nos remete ao ramo da biologia que estuda (logos) a natureza e as múltiplas funções mecânicas, físicas e bioquímicas dos seres vivos, assim aproximando seres humanos e animais, na medida em que o ser humano é também, primariamente, um ser animal.
O espetáculo define, deste modo, desde logo, um lugar desde onde pretende falar. E, de fato, a primeira grande cena encontramos as três bailarinas a realizarem uma corrida de resistência, que praticamente não as leva a lugar algum, mas que lhes permite definir o funcionamento do corpo e da biologia humana. Mas é neste momento que a criação artística faz pequeno e sutil deslocamento porque acrescenta, àqueles aspectos tradicionalmente incorporados pela fisiologia, dois outros, mais problemáticos: o jogo e a disputa entre as participantes, na medida em que cada uma delas procura estar à frente das demais, alternando-se neste posicionamento; e o aspecto psicológico que é introduzido inesperadamente quando, na segunda cena, temos um movimento de passagem marcado por velas colocadas no chão, que ascendem/apagam sucessivamente e estabelecem um clima emocional novo naquela perspectiva inicial.
Num terceiro momento, mais longo e central, em relação ao espetáculo, exploram-se as potencialidades do corpo humano, com movimentos radicalizados por parte das intérpretes, que evidenciam suas qualidades e ampliam as reflexões em torno não só da dança, quanto da condição humana.
Tendo assistido ao espetáculo na noite de sua estreia, tive a oportunidade de encontrar a sala do Instituto Ling absolutamente cheia, o que dá, evidentemente, outra dinâmica e vibração ao espetáculo. Assim, ao silêncio absoluto durante a performance, seguiu-se o entusiasmo e a admiração, quando terminado o trabalho. Realmente, lembro a expressão de uma das bailarinas, no programa do espetáculo: há que ter fôlego para conseguir realizar todas as exigências que a coreógrafa apresentou às intérpretes.
O desenho de luz criado por Edu Rabin tem definitiva importância na concretização do espetáculo, do mesmo modo que a trilha sonora e a sonoplastia do DJ Eduardo Essarts que, neste sentido, são coautores e cointérpretes desta criação. Some-se a isso os figurinos de Renata de Lélis e a cenotécnica de Rodrigo Shalako e devemos reconhecer a constituição de uma verdadeira equipe que pode assinar um trabalho colaborativamente. Pelo menos desde a publicação do texto de Walter Benjamin A obra de arte e sua reprodutibilidade técnica sabemos que a criação de uma obra de arte é menos o objeto acabado, neste caso, a performance em si, quanto o processo de sua criação e a escolha dos modos de sua concretização. Isso caracteriza a obra de arte contemporânea, em qualquer campo das artes, e muito especialmente no caso das artes cênicas, de que a dança faz parte.
O mais significativo de um trabalho destas características é, por certo, menos o resultado do que o processo. Mas, de qualquer modo, o resultado, que é o espetáculo em si, é importante na medida em que quebra o esperado, apresenta o novo e propõe uma nova semântica, inovando a linguagem. Sabemos que toda a vez em que a linguagem se modifica, a humanidade avança um pouco mais em sua afirmação enquanto tal. Eis porque, apesar deste "desespero" do título, Fisiologia do desespero não é negativista: refletir artisticamente sobre o desafio é um modo essencialmente humano de desafiá-lo.
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