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Teatro

- Publicada em 21 de Junho de 2018 às 23:00

Para fazer história

O Instituto Goethe, no Brasil, através de suas diferentes representações, dá continuidade a um bem concretizado projeto de divulgação de novos dramaturgos alemães, através da tradução e financiamento de montagens destes mesmos textos por diretores brasileiros. A vez agora é duplamente feminina: a jovem dramaturga Maria Milisavljevic e a diretora Patrícia Fagundes, que concorreu e ganhou este projeto, concretizando-o através da montagem de Tremor: sobre como as coisas foram chegar neste ponto.
O Instituto Goethe, no Brasil, através de suas diferentes representações, dá continuidade a um bem concretizado projeto de divulgação de novos dramaturgos alemães, através da tradução e financiamento de montagens destes mesmos textos por diretores brasileiros. A vez agora é duplamente feminina: a jovem dramaturga Maria Milisavljevic e a diretora Patrícia Fagundes, que concorreu e ganhou este projeto, concretizando-o através da montagem de Tremor: sobre como as coisas foram chegar neste ponto.
O texto integra aquele conjunto a que o teórico Hans-Thies Lehmann denomina de pós-dramático, isto é, não temos exatamente um enredo a ser desenvolvido. Na verdade, é mais um discurso a respeito de um ou conjunto de temas, interligados, para o que o diretor de cena ou do espetáculo deve encontrar imagens/cenas que, mais do que o ilustrem, concretizem-no. Patrícia Fagundes, diretora extremamente inquieta e criativa, aceitou e resolveu muito bem o desafio: em cena, além dos atores, dois tonéis, mesas e umas escadas que não chegam a nada nem a lugar nenhum. São os elementos que, fragmentados, no início do espetáculo, devidamente manipulados/carregados/empurrados pelos atores, combinam-se como numa espécie de quebra-cabeças (como as situações de vida que a dramaturga discute), permitindo jogos que se fazem e desfazem (liquefazem, diria Niklas Luhmann?). O tema central é a violência. Da constatação segue a pergunta. A violência em várias possibilidades: institucional, simbólica, física, estrutural, a maior violência de todas: o egoísmo e o individualismo, de sorte que cada um faz apenas o que entende seja o mais interessante para si mesmo. As poucas pessoas que eventualmente possam se preocupar com as demais, são imediatamente ridicularizadas, isoladas e descartadas.
O que é significativo, no texto de Maria Milisavljevic, é que ela não fala a "respeito dos outros", mas de si mesma. Talvez por isso a diretora Patrícia Fagundes também não se limitou a dirigir: ela está ali, ao lado e em meio a seus atores, entra a sai de cena assim como o contrarregra também interfere na ação dramática. Se Bertolt Brecht queria que o seu espectador saísse do teatro disposto a agir praticamente na sua vida cotidiana, a dramaturga alemã parece entender que não existe a velha quarta parede realista, como queria Antoine, mas o teatro se mistura com a vida, que se mistura com o teatro, e assim é o espetáculo: ele extravasa os limites do palco, dialoga diretamente com os espectadores, propõe uma proximidade, conceitual extremamente significativa para que o teatro possa retomar um sentido verdadeiramente importante em nossa realidade imediata.
Para a efetividade do espetáculo, no entanto, Patrícia Fagundes, que escolheu um elenco jovem, tratou de prepará-lo para que o texto dito não fosse apenas um texto, mas uma expressão emocionada. Ao mesmo tempo, lembrando-se de que estamos diante de um espetáculo de teatro, e não de um discurso, deu especial ênfase à perspectiva cênica, de modo que o ator é, ao mesmo tempo, aquele que dialoga entre si e cada um/todos com a plateia, mas também desenvolve atividades físicas, correndo, pulando, empurrando e puxando objetos em cena, compondo e decompondo aquela realidade (nunca temos um cenário fixo, ele é mutante). Bonito ver o já experimentado Evandro Soldatelli juntar-se aos jovens Lauro Fagundes, Priscilla Colombi (que tem uma expressão corporal admirável), Ander Belotto e à própria Patrícia Fagundes: numa baixa temperatura, como na noite em que assisti ao espetáculo, de cerca de hora e meia de duração, a disponibilidade do elenco e seu entusiasmo/dedicação eram admiráveis e emocionantes. Mas o espetáculo não existiria sem a coreografia/provocações corporais de Marco Rodrigues, cenografia de Rodrigo Shalako, iluminação de Carol Zimmer e a trilha sonora original de Leonardo Machado, com a colaboração, no figurino, de Heinz Limaverde.
Quem não viu, deve ver. Estamos diante de um importante espetáculo, que marcará a atual temporada de artes cênicas, para fazer história.
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