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Opinião Econômica

- Publicada em 10 de Maio de 2022 às 19:56

A maternidade segundo a renda

Cecilia Machado
Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Existe uma realidade um tanto quanto cruel de como o direito à maternidade se apresenta de forma distinta para as mulheres de diferentes condições de renda e emprego no Brasil: para algumas, a carteira assinada lhes confere o direito à interrupção -remunerada- de seus empregos por ao menos quatro meses, com garantia de retorno ao seu posto de trabalho, enquanto para outras a única saída para a garantia da renda é o retorno imediato ao trabalho após o parto, com matrícula em berçário, quando uma vaga pública está disponível.
A licença-maternidade conforme prevista na nossa legislação não está aí à toa. Seus benefícios são claros. Para as mães que trabalham, a licença permite o afastamento temporário, aumentando a retenção no emprego de mulheres que sairiam do mercado de trabalho caso uma pequena pausa não fosse possível.
Do ponto de vista das empresas, o afastamento também é positivo: uma eventual separação destrói todo o aprendizado e investimentos que empresas e trabalhadores colocam em um vínculo trabalhista, havendo valor na continuidade do emprego. E, para o bebê, os primeiros dias de vida são cruciais para sua arquitetura cerebral, que conta não apenas com toda a interação à qual o bebê está exposto em seu ambiente familiar como também nutrição adequada para o seu crescimento e desenvolvimento.
A realidade social, entretanto, é muito mais complexa. Muitas mães optam por deixar seus bebês ainda muito pequenos em berçário ou creche pública para retornar ao mercado de trabalho. Elas sabem que a segurança de renda garante condições mínimas de subsistência e de alimentação para sua família.
De um lado, é positiva a existência de creches públicas -e de qualidade- que permitam o retorno ao emprego e autossuficiência econômica de mães com filhos pequenos, algo que ainda está distante de grande parte das mães em situação de pobreza. Hoje, apenas 37% das crianças de 0 a 3 anos estão matriculadas em creche, taxa que sobe para 54% entre os 25% mais ricos e para 40% em regiões urbanas, mas cai para 27% entre os 25% mais pobres e para 20% em regiões rurais.
De outro, é impactante não haver nenhuma garantia trabalhista ou de rede de assistência capaz de garantir um tempo mínimo entre muitas mães que trabalham e seus bebês, conforme dita nossa legislação trabalhista.
Para mães em situação de informalidade, de pouco adiantam benefício ou políticas de permanência e flexibilidade para as mulheres que já possuem carteira assinada, já que a dualidade do nosso mercado de trabalho delega a 40% das mulheres ocupadas nenhum direito trabalhista, seja a licença-maternidade, seja a garantia ao emprego, seja o seguro-desemprego, sejam os recursos do FGTS.
O recente Programa Emprega Mulheres e Jovens, instituído via medida provisória na semana passada, segue míope a essa realidade, ao garantir recursos para creche via FGTS, ou flexibilização de trabalho para mães que já possuem carteira assinada. Políticas de apoio à parentalidade via mercado de trabalho formal são regressivas em um contexto no qual parte considerável da força de trabalho não as consegue acessar, e uma verdadeira política de apoio à parentalidade precisa encarar de frente os problemas adicionais que a informalidade traz para as mulheres.
Já para famílias em situação de pobreza, o Auxilio Brasil se apresentou como grande oportunidade para atender mães com filhos pequenos na garantia de renda, especialmente considerando as dificuldades para matrícula em creche ou possibilidade de emprego para mães com bebês com poucos meses de vida.
O benefício para a primeira infância, que oferece transferência de renda diferenciada para famílias pobres com crianças de 0 a 36 meses, calibrou o benefício em R$ 130, maior que todas as demais variáveis. Entretanto, a recente garantia de um valor mínimo de R$ 400 -perenizada ad aeternum pelo Legislativo recentemente- diluiu toda a vantagem que o benefício diferenciado às crianças pequenas conferia.
Hoje, a transferência média por famílias é de R$ 408, o que significa que quase todas as famílias -independentemente de sua composição familiar- recebem o mesmo valor, próximo ao mínimo. Não há, hoje, dentro do Auxílio Brasil, transferência diferenciada para mães com filhos pequenos.
Seja via mercado de trabalho, seja via assistência social, as novas propostas seguem sem resolver de forma convincente a desigualdade no qual a maternidade se apresenta por classe de renda na sociedade brasileira.
Cecilia Machado
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