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Opinião Econômica

- Publicada em 25 de Janeiro de 2022 às 21:31

Cultura perniciosa

Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na Universidade Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na Universidade Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil
Há um ano o mais famoso dicionário dos Estados Unidos, Merriam-Webster, considerou que os termos "cultura do cancelamento" e "cancelar" (nova acepção) atingiram seu rígido critério de entrada na língua inglesa.
Até o ano passado, "cancelar" se referia apenas a eventos, assinaturas, pedidos comerciais, séries de televisão, e outros. Agora se refere a indivíduos, especialmente celebridades ou qualquer um que possua visibilidade pública.
O ato de cancelar, em seu sentido ingênuo, significa criticar e deixar de prestigiar alguém por conduta considerada questionável ou inaceitável. Certamente é genuíno direito de todos tomar a decisão individual de passar a ignorar fulano ou sicrana. Também sempre foi direito universal tecer críticas, preferencialmente honestas.
No entanto, cancelar tem consistido na convocação pública de amplo boicote ao infrator, cujo objetivo é decretar o ostracismo social por meio da inserção em lista negra (lista branca?). Os canceladores decretam a sentença e conclamam a turba incendiada a comportar-se simultaneamente como júri, juízes e justiceiros imediatos -sem direito a defesa.
Esse sentido controverso é o cerne da "cultura do cancelamento": um patrulhamento 24/7 pelos "despertos" (os "woke"), catalisadores do frenesi de bullying desgovernado e de humilhação pública dos impuros.
Isso representa uma ameaça à liberdade de expressão e à democracia.
Penei para rememorar episódios de cancelamento de indivíduos de esquerda no Brasil. Em geral, a seta canceladora tem apontado para a direita e para os liberais, ou para celebridades que não se ocupam em bajular a agenda progressista dos despertos. Mas a intolerância é uma seta biruta que pode apontar para todos os lados.
O famoso advogado de esquerda Alan Dershowitz, que costuma assessorar clientes controversos como Donald Trump e Jeffrey Epstein, associa a intolerância atual ao macarthismo dos anos 1950 nos Estados Unidos, em seu livro "Cultura do Cancelamento" (Clube Ludovico, LVM Editora, 2022).
Para ele, embora originado pela atual geração "desperta", o cancelamento é filho bastardo do macarthismo de extrema direita com o stalinismo de extrema esquerda. A face mais potente do macarthismo, no entanto, não era o poder estatal, mas a patrulha de indivíduos, empresas, universidades e mídia.
Em novembro de 2019, Barack Obama afirmou em uma palestra para jovens que "a sociedade não avançará se criticarmos e julgarmos terceiros em tempo integral" e que o critério "de pureza e de só tacar pedras não levará ninguém a lugar algum".
Mas os patrulhadores-chefe julgam-se semideuses da virtude, sabem sempre o certo e o errado e creem que o mundo é preto e branco, sem nuances, contexto ou ambiguidades. Reclinam-se no seu confortável sofá e se sentem bem despertos porque mobilizaram seus seguidores a expor e humilhar aquele fulano que soltou um tuíte. A presunção é sempre de culpa, uma desgraça que cria uma sociedade de desconfiança (como descreveu Alain Peyrefitte).
Muitos vão além e buscam a demissão e a retirada de patrocínios daqueles que expressam opinião diversa. É uma péssima ideia, pois a severidade da punição expedida pelo tribunal da opinião pública raramente é proporcional ao deslize.
O patrulhamento tem como efeito colateral a autocensura. O receio do cidadão comum de fazer piadas torna a vida mais sem graça. O intelectual se cala pois em alguns anos sua fala pode ser escavada e tirada de contexto. A aversão ao risco contamina artistas, humoristas, escritores, editores de livros e pesquisadores: a criatividade e a ciência são sufocadas.
Na cultura do cancelamento, tudo é perigoso, nada é divino maravilhoso, é preciso estar atento e forte. É proibido proibir!
 
Helio Beltrão
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