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Opinião Econômica

- Publicada em 27 de Outubro de 2021 às 22:00

A Arma de Tchekhov

Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil
O Brasil recebeu com espanto a manobra do executivo e legislativo, que de mãos dadas propõem estourar o teto constitucional de gastos por meio da PEC dos Precatórios. O apelido desta PEC não é fiel: fosse a política a arte da verdade, leria-se "PEC Fura-Teto", "PEC Eleitoreira", ou "PEC da Irresponsabilidade Fiscal".
O teto em vigor é a solitária âncora remanescente a impedir a repetição do desastre do governo Dilma "de gastança desenfreada regada a crédito público e inflação" que gerou a maior depressão da história do Brasil. O desemprego quase dobrou (de 7% em 2014 para 13% em 2017) e a renda média do brasileiro despencou.
Porém, desde sua promulgação em 2016 (EC 95), o teto viabilizou uma redução de inflação de 11% em 2015 para 4% entre 2018 e 2020 e o retorno ao crescimento da renda. A queda da Selic foi ainda mais acentuada, de 14% para 4% às vésperas da pandemia. O crédito privado, financiador do crescimento e emprego, expandiu mais de 60% desde então. Em suma, o teto derrubou o chão dos rentistas, aqueles que se deleitam com os juros altos pagos por governos gastadores.
Políticos e rentistas são espécies simbióticas, que compartilham as vantagens de um Estado perdulário. O gasto é seu alimento; o hospedeiro somos nós, cidadãos pagadores de impostos e trabalhadores.
Apenas com o barulho em torno da PEC, o governo Bolsonaro e o Congresso refundaram a "estatal" extinta no governo Temer, a 'Jurobras', cujo objeto é (a) sugar poupança do setor produtivo para financiar rentista e (b) exportar capital nacional. Os juros de médio prazo que estavam de 6% a 7% em meados do ano passado chegaram a 12%.
A peça trágica do teatro fura-teto é encenada em três atos. Envolve em primeiro lugar voltar no tempo e ampliar a correção monetária do teto desde 2017. Este primeiro ato, violador da física e de outras ciências, redesenha o teto ao longo do tempo, passado e futuro. A manobra "cria" R$50 bi de permissão de estouro do teto no ano que vem (e segue criando permissões adicionais de estouro para os anos de 2023 a 2026).
O segundo ato é o não-pagamento de parte dos precatórios devidos em 2022 (a reincidência no calote), gerando mais cerca de R$40 bi de estouro do teto.
Segundo a Instituição Fiscal Independente do Senado Federal, há espaço tanto para reajuste do Bolsa Família (ou Auxílio Brasil) quanto para o pagamento integral dos precatórios, cumprindo o teto. Mas a casta político-rentista tem fome e quer mais emendas parlamentares, fundo eleitoral, e até reajuste de servidores. E, principalmente deseja aumentar em 20% o número de beneficiários do auxílio e distribuir R$400 por mês. É populismo.
O orçamento de 2022 em discussão aloca R$1.500 bi a outras rubricas, que poderiam ser discutidos e remanejados nesta mesma PEC para atender o Auxílio Brasil. Mas os políticos, claro, julgam que privilégios e "direitos adquiridos" não podem ser cortados.
O mercado reagiu à proposta de estouro de R$90 bi com a desvalorização das empresas que perfazem o iBovespa em mais de 3 vezes este valor. Estimo que a perda de valor, em moeda forte, de todas as empresas do Brasil e dos títulos de renda fixa tenha sido de muitos trilhões (não apenas bilhões) de reais, só na semana passada.
O princípio da dramaturgia conhecido como a "Arma de Tchekhov" determina que, caso haja um rifle pendurado na parede durante o primeiro e segundo atos, será disparado no ato final. A PEC dos Precatórios, se aprovada, será o rifle na parede do Congresso.
A casta político-rentista espera dispará-lo no futuro para implodir o teto de vez. Porém em um plot twist no ato final (as eleições de 2022), os coadjuvantes "eleitores, sem emprego, e na carestia" podem dispará-lo e não reeleger políticos comprometidos com essa infâmia.
Helio Beltrão
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