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Opinião Econômica

- Publicada em 24 de Outubro de 2021 às 20:37

O que está em jogo

Marcos Mendes
Economista, pesquisador associado ao Insper, é autor de 'Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?'
Economista, pesquisador associado ao Insper, é autor de 'Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil?'
Com improvisos e desencontros, Legislativo e Executivo implodiram o teto de gastos para viabilizar a ampliação malfeita do Bolsa Família, as emendas parlamentares, o fundo de financiamento de campanha e vários gastos de interesse eleitoral.
Até a trapalhada dessa semana ainda havia quem considerasse excessiva a preocupação com descontrole fiscal. Afinal, os indicadores para 2021 e 2022 mostram uma dívida pública estável e abaixo do que se previa ano passado, a receita está crescendo com força, a despesa como proporção do PIB deve fechar 2021 abaixo do nível de 2019 e as previsões de déficit primário em 2021 caíram de 3% do PIB, no começo do ano, para perto de 1%.
Porém, o que está em jogo não são os indicadores fiscais de 2021 e 2022, e sim a existência de uma regra fiscal crível, que ancore as expectativas vários anos à frente. A aprovação de casuísmos para flexibilizar o teto de despesas deixará claro que ele perdeu a eficácia: qualquer nova pressão por mais gastos vai levar a novas flexibilizações.
Na prática, voltaremos para o regime fiscal que vigorou desde meados dos anos 1980, cuja regra era gastar o máximo que fosse possível e financiar isso com aumento de carga tributária e da dívida pública. Nesse regime, a despesa primária do governo federal quase dobrou como proporção do PIB entre 1991 e 2019, revelando um país viciado em gastos públicos.
Inicialmente financiamos o crescimento dos gastos com mais carga tributária, que cresceu 10 pontos percentuais do PIB entre 1991 e 2007. A partir desse ano, contudo, a sociedade passou a rejeitar novos aumentos de impostos: entre 2007 e 2019 a carga tributária caiu 2 pontos percentuais do PIB. Passamos, então, a financiar o crescimento dos gastos com a ampliação da dívida pública. Entre 2014 e 2016, a dívida cresceu 15 pontos percentuais do PIB, sem que tenha havido pandemia, guerra ou grande choque externo.
O teto foi bem-sucedido em frear a trajetória de expansão da despesa e da dívida. Agora, voltamos ao antigo regime fiscal, porém sem termos espaço para aumentar impostos e com a dívida em 82% do PIB. Entramos no reino do desconhecido: como voltar ao regime de expansão real da despesa de 6% ao ano sem ter espaço para financiá-la?
A literatura é clara sobre os efeitos desse tipo de regime fiscal: inflação e juros altos, permanente ameaça de choque tributário e crise da dívida. Os investimentos caem e o crescimento econômico não acontece. O mercado antecipa o desastre. As razões para nosso vício em gasto público são várias: desigualdade de renda e regional, persistência de políticas públicas ineficientes à força do lobby de seus beneficiários. Resolver isso é trabalho para décadas.
Ademais, nossas regras eleitorais produzem fragmentação partidária no Congresso, e favorecem a eleição de parlamentares ligados a grupos de interesses ("bancadas temáticas"). Torna-se difícil formar uma coalizão majoritária que dê governabilidade ao Executivo, pois isso exige a coordenação de uma dezena de partidos e o atendimento das demandas por benefícios a grupos específicos, que pouco se preocupam com o interesse coletivo, como a estabilidade fiscal.
Há um corredor estreito para sairmos dessa armadilha: apesar da dificuldade, é inevitável formar coalizão majoritária no Congresso. Ela precisa ser gerida por uma coordenação política eficiente, capaz de mediar os interesses de curto prazo dentro dos limites orçamentários e viabilizar as reformas necessárias. Imprescindível que o Executivo proponha uma pauta clara, com propostas de qualidade técnica e não se perca em bravatas e na dispersão interna de interesses.
O atual governo escolheu o caminho oposto: instigou o conflito com o Congresso. Quando percebeu que perderia a disputa, em vez de formar e coordenar uma coalizão, sucumbiu ao poder do centrão, que capturou a coordenação política e o controle do orçamento. A isso se soma a incompetência e falta de objetividade das propostas do Executivo.
Hoje, Bolsonaro tenta apenas sobreviver, e o centrão cumpre a sua função essencial: acumular dinheiro e votos.
Marcos Mendes
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