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Opinião Econômica

- Publicada em 21 de Julho de 2021 às 22:25

60 anos trancados no dominó

Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil
A canção "Pátria e Vida" tirou o sono da ditadura castrista desde seu lançamento, cinco meses atrás. O caudilho Miguel Días-Canel impôs de imediato multa a quem a escutasse. Deu "ruim". Os cubanos agora gritam "pátria e vida" ao serem detidos, escrevem as palavras nos muros e fachadas de suas casas, e até as tatuam.
Nos corajosos protestos que eclodiram por toda a ilha no dia 11 de julho sob gritos de liberdade, muitos portavam cartazes com o slogan, uma refutação do lema oficial "pátria ou morte" que Fidel pronunciou em 1960. A doutrinação comunista nas escolas não conseguiu eliminar o anseio por liberdade.
A ditadura respondeu como de costume: efetuando detenções arbitrárias (segundo relatos, há milhares de desaparecidos), derrubando a internet, convocando o povo a hostilizar à força os dissidentes, espalhando desinformação e ameaças, militarizando as ruas e empregando agentes de segurança vestidos de civis, e principalmente culpando a CIA e o embargo americano.
Há vasto desabastecimento de alimentos básicos, de medicamentos e material hospitalar, apagões de oito horas por dia, e bagunça no combate ao coronavírus. Há doentes de Covid morrendo em suas casas, com cadáveres sem serem recolhidos por dias a fio. Os novos casos por milhão de habitantes são os mais numerosos das Américas.
Parênteses: o embargo não explica o desastre, pois apenas impede exportações diretas aos Estados Unidos. Cuba vende livremente para o resto do mundo todo; adicionalmente, os Estados Unidos são hoje o quarto maior exportador para a ilha, à frente do Brasil.
As mentiras não colam mais. A juventude que outrora sonhava se fatigou, e a população -que perdeu parte do medo devido ao desgosto e à privação- demanda mudanças e apoia o movimento rebelde.
Em razão da penúria e da repressão, a ditadura está perdendo tradicionais grupos de sustentação. Artistas destacados, historicamente cooptados pelo regime, têm se convertido em dissidentes, caso do Movimento San Isidro, que abriga um dos compositores de "Pátria e Vida".
"Somos artistas, somos sensibilidade; a história verdadeira, não a mal contada. Somos a dignidade de um povo inteiro pisoteada, na mira de armas e de palavras que nunca significaram nada. Chega de mentiras, meu povo pede liberdade; chega de doutrina, não gritemos mais 'Pátria ou Morte', mas 'Pátria e Vida'."
Trancada no dominó estatal de Fidel sem poder jogar, Cuba é a peça derradeira da fila de dominós dos regimes socialistas e do Foro de São Paulo. Sofreu o primeiro peteleco com o colapso da União Soviética, que a financiou por décadas. Seu principal financiador socialista do século 21, a Venezuela de Maduro, não tem mais como expropriar os venezuelanos para doar à ilha. Outro tombo.
O socialismo termina quando acaba o dinheiro dos outros, dizia Thatcher. A fantasia do igualitarismo (excetuados os amigos do regime) pavimentou o caminho da servidão. Cada nova medida gerava mais filas e escassez, que exigiu crescente confisco e arbitrariedade.
Cuba já foi potência em açúcar: produzia 7 milhões ton/ano nos anos 1990; neste ano, com sorte alcançará 1 milhão. Produzia 50 mil ton/ano de café, agora, 80% menos. Está importando ambos os produtos.
Desesperado por recursos para importação de alimentos e bens essenciais, o regime confiscou os dólares em papel e efetuou uma maxidesvalorização do peso cubano (e unificou o regime de duas moedas) em 1º de janeiro, que causou superinflação de 500%. "Acabou seu tempo, se rompeu o silêncio", diz "Pátria e Vida".
Parafraseando Churchill, julho de 2021 não é o fim. Não é sequer o começo do fim. Mas é, talvez, o fim do começo.
 
Helio Beltrão
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