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Opinião Econômica

- Publicada em 14 de Julho de 2021 às 21:58

O salário do americano e o Brasil

Solange Srour
Economista-chefe no Brasil do banco Credit Suisse. É mestre em economia pela PUC-Rio
Economista-chefe no Brasil do banco Credit Suisse. É mestre em economia pela PUC-Rio
O cenário internacional benigno tem dado fôlego para o Brasil atravessar duas graves crises -a política e a de saúde- com o PIB em recuperação. Com um ciclo econômico extremamente relacionado à liquidez internacional e aos preços das commodities, o país deve crescer entre 5,5% e 6% em 2021, a despeito da antecipação da corrida eleitoral e do "sepultamento" da agenda reformista. A pergunta é: até quando?
Ainda que pareça inusitado, a continuidade dessa expansão dependerá do comportamento do mercado de trabalho americano. O modo como os salários responderão à alta recente dos preços é a chave para a perspectiva futura da inflação e para a definição do momento da retirada da acomodação da política monetária.
O forte crescimento econômico e a reduzida aversão ao risco global, que tanto nos favorecem, dependem em última instância da manutenção de uma baixa taxa de juros nos Estados Unidos.
O cenário atual traz uma singular incerteza sobre o processo de transmissão da elevação dos custos de produção -seja em virtude de gargalos de oferta, seja de estímulos fiscais e monetários demasiados- para os salários. Isso ocorre porque, com a volta das atividades presenciais, o retorno dos profissionais dispensados de seus empregos está se mostrando mais lento do que o esperado, em contraste com as demissões imediatas ocorridas no início da pandemia.
Mais de 9 milhões de americanos afirmavam em maio que buscavam empregos, mas não conseguiam encontrá-los. Enquanto isso, empresas relatavam disponibilizar mais de 9 milhões de vagas que não foram preenchidas -um número recorde.
Tal descompasso explica por que os salários estão subindo nos EUA, mesmo com o desemprego em 5,9%, bem acima da taxa pré-pandemia de 3,5%. Segundo o índice de custo do emprego, os salários subiram 2,6% nos 12 meses até março de 2021, uma alta forte ante os cenários de saída de outras recessões.
Vários fatores estão por trás desse fenômeno: a mudança dos trabalhadores durante a pandemia para locais divergentes daqueles em que agora aparecem empregos disponíveis, a preferência pelo trabalho remoto após a descoberta dos benefícios de uma vida sem deslocamento, a volta ainda não completa do ensino presencial, a elevação do número de pedidos de aposentadoria durante a pandemia e o receio ainda alto de transmissão do vírus.
A própria economia também se modificou com o avanço do uso de tecnologias, que deslocou a oferta de vagas para setores específicos. Em que pesem fatores estruturais ou cíclicos, as volumosas transferências governamentais aumentaram o salário de reserva, ou seja, a remuneração mínima que os trabalhadores estariam dispostos a receber para voltar ao trabalho.
Diversos estudos expõem como a pandemia alterou a forma de as pessoas valorizarem o convívio com a família e o emprego. Pesquisa da Microsoft ("The next great disruption is hybrid work "" Are we ready?") revelou que mais de 40% da força de trabalho global se prepara para deixar seus empregos neste ano.
O ZipRecruiter, marketplace americano de emprego, divulgou recentemente que 70% dos candidatos que atuavam no setor de lazer e hotelaria buscam uma oportunidade em outro segmento.
O Federal Reserve Bank de Dallas, por meio da pesquisa "Real-Time Population Survey" (bit.ly/3xTgyPb), pergunta aos indivíduos atualmente desempregados se eles estariam dispostos a retornar à posição anterior com a mesma remuneração. Na sua mais recente divulgação, 30,9% recusariam, ante 19,8% em julho passado.
Se os efeitos das fricções no mercado de mão de obra persistirem por muitos meses, poderão causar pressões inflacionárias mais permanentes e antecipar a retirada dos estímulos monetários, mudando o vento favorável para a economia brasileira. Além disso, trazem alertas para o desenho de nossas políticas públicas.
A criação de novos projetos sociais que não contemplem incentivos à busca de emprego pode desencorajar o retorno ao mercado de trabalho. Esse é um ponto importante no momento em que se discute aumentar o gasto social em vez de ampliar o foco dos programas já existentes.
 
Solange Srour
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