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Opinião Econômica

- Publicada em 01 de Junho de 2021 às 21:11

De viola em vez de enxada, a desigualdade de oportunidades

Michael França
Economista, Doutor em Teoria Econômica pela USP; foi pesquisador visitante da Universidade de Columbia e é pesquisador do Insper
Economista, Doutor em Teoria Econômica pela USP; foi pesquisador visitante da Universidade de Columbia e é pesquisador do Insper
Desigualdade não é sinônimo de injustiça. Para entender isso, imagine um cenário em que existam dois irmãos gêmeos: Espedito e Espeditiano. Depois de terminarem os estudos, eles acabam tomando decisões distintas sobre seus futuros. Um decide ficar em São Paulo e trabalhar em uma startup. O outro escolhe vender arte nas praias de Itacaré.
Espedito, o que ficou em São Paulo, virou diretor de uma grande companhia. Assim, é percebido socialmente como um exemplo de pessoa bem-sucedida. Mas, internamente, sente ter falhado em aspectos relevantes da vida. Por sua vez, Espeditiano obteve menos recursos materiais e chegou à velhice esbanjando saúde e satisfação.
Mesmo partindo da mesma situação socioeconômica, note que os resultados alcançados por eles foram distintos. Os dois irmãos chegaram ao fim da vida com uma série de desigualdades que são frutos das suas escolhas e esforços. Esse desequilíbrio nos resultados obtidos pode ser visto como justo. Entretanto, o desafio começa na geração seguinte.
Espedito, autocentrado e com uma racionalidade ímpar, resolveu ter só um filho. Ele adquiriu tudo o que o dinheiro poderia comprar para ajudar no desenvolvimento do seu descendente. Mesmo com a ausência de talento e esforço, a criança contou com a herança e a rede de contatos dos pais para prosperar.
Já Espeditiano, com sua personalidade leve, resolveu aproveitar os prazeres da vida. No final, acabou tendo quatro filhas. Apesar de talentosas, um conjunto de restrições limitou seus progressos.
Nas futuras gerações, independentemente do nível de esforço individual, os descendentes de Espedito tenderão a acumular maior poder financeiro e político, deixando assim a linhagem de Espeditiano cada vez mais para trás.
Desse modo, observe que as oportunidades das crianças têm uma relação direta não só com as condições socioeconômicas contemporâneas mas também com as escolhas e trajetórias dos pais. O componente considerado injusto da desigualdade surge devido ao fato de que circunstâncias fora do controle do indivíduo acabam ditando parte dos resultados alcançados.
Mais especificamente, estima-se que entre 10% e 37% da desigualdade de renda brasileira poderia ser explicada por circunstâncias como escolaridade e ocupação dos pais, raça e região do nascimento ("Inequality of opportunity in Brazil", 2007).
Nesse cenário, o recorrente bloqueio das aspirações de um indivíduo por motivos que estão fora do seu controle pode virar uma poderosa fonte de conflitos sociais e distorções. Se o objetivo de um país for promover a eficiência econômica e estabilidade social, é fundamental criar mecanismos para procurar equalizar as oportunidades de desenvolvimento da população.
Em qualquer lugar do mundo, existe uma tendência de os ricos terem meios de preservar suas vantagens e transmiti-las para os seus filhos. Entretanto, no caso brasileiro, o que chama a atenção é a dimensão e a naturalidade com que isso ocorre.
Para construir uma sociedade mais justa, é essencial que os resultados alcançados sejam frutos do talento e esforço individuais. O contexto familiar em que a pessoa está inserida não deveria ter um papel significativo. Desse modo, além de avançar na criação e desenvolvimento de melhores políticas sociais, o expressivo privilégio herdado deve ser contido.
O título é uma homenagem à música "Morro Velho", de Milton Nascimento. Além disso, Espedito é o nome do meu pai, e Espeditiano, o do seu irmão gêmeo. Usar os nomes deles aqui foi uma forma que encontrei de fazer uma homenagem para esses dois grandes homens que nasceram no sertão nordestino. Ao contrário da ilustração da coluna, eles tiveram uma juventude repleta de privações.
Michael França
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