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Opinião Econômica

- Publicada em 04 de Maio de 2021 às 21:27

O que se vê e o que não se vê

Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na Universidade Columbia
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na Universidade Columbia
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou urgência para o PL (projeto de lei) 1.558/2021, que estabelece acréscimo da multa a empresas por eventual disparidade salarial entre homens e mulheres (e por outras disparidades salariais, baseadas em idade, cor ou situação familiar). Com a urgência, o tema pode a qualquer instante seguir para votação em plenário.
O Senado já aprovou multa de até 500% da diferença salarial sobre todo o período em que tenha ocorrido. Em Brasília, espera-se que a Câmara confirme a penalidade.
Ao contrário da expectativa dos legisladores, a multa prejudicará as mulheres e os demais grupos que pretende proteger.
Como dizia Frédéric Bastiat, uma nova regra legal segue produzindo efeitos secundários mesmo após o impacto inicial evidente. O efeito imediato é bem visível, palpável; os demais precisam ser previstos.
É fundamental perceber a diferença entre "o que se vê" e "o que não se vê". O que se vê é a implicação favorável a curto prazo, fruto de nobres intenções declaradas pelos legisladores. O que não se vê são as consequências últimas, quase sempre opostas e destrutivas do propósito original.
A capacidade de contemplar os desdobramentos futuros é privilégio dos bons formuladores de políticas públicas. Mas essa faculdade não é recompensada na política, que incentiva o populismo imediatista.
Nossa Constituição prevê a isonomia salarial, ou seja, estabelece que todos sejam regidos pela mesma regra, independentemente de gênero, idade, cor, ou estado civil. É vedada a discriminação.
No entanto, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres auferem rendimentos cerca de 20% menores que os homens na média agregada de todo o Brasil, em todas as profissões. Para muitos, essa seria a prova da discriminação enraizada na sociedade brasileira. Ocorre que, na média, mulheres têm jornadas de menor duração (aproximadamente cinco horas a menos por semana). Se ajustarmos para a quantidade de horas trabalhadas, a disparidade cai a 8,5%.
O ajuste estatístico não para aí. As profissões ligadas às ciências exatas têm menor participação de mulheres (na engenharia, mulheres correspondem a menos de um quarto dos alunos) e o oposto ocorre nas humanidades.
Como o salário das profissões ligadas a humanidades é menor que o das ciências exatas, explica-se a maior parte dos 8,5%.
Resta apenas um diminuto resíduo, com explicações plausíveis. O estudo "Child Penalties Across Countries" (bit.ly/2RtqfTN), de 2019, demonstra que a trajetória dos salários entre gêneros em países desenvolvidos se mantém similar até a chegada do primeiro filho.
A partir daí estabelece-se uma redução permanente de salário das mulheres, que chega a 26% na Suécia e a 60% na Alemanha, presumidamente atribuível a uma dedicação diferenciada aos filhos. A tese de discriminação do empregador brasileiro não prospera.
Portanto, é de esperar que haja casos pontuais nos quais ocorra disparidade de rendimento por hora, mesmo para funções similares. A Justiça atribuirá a uma discriminação, mas pode advir de uma diferença, objetiva ou subjetiva, de valor agregado (indivíduos nunca são idênticos).
Sabedor do risco da multa arbitrária (a disparidade de um salário mínimo ao longo de cinco anos pode ensejar multa de R$ 650 mil), o empregador, em nome de sua sobrevivência, estará incentivado a demitir o colaborador menos produtivo -homem ou mulher.
Nos segmentos em que as mulheres ganham mais -professores e outras 223 carreiras segundo esta Folha (folha.com/37uz18kc)-, os homens têm maior tendência a serem demitidos, e vice-versa.
Afinal, por que empregá-lo (a) com rendimento igual ao que aufere o mais produtivo? É mais vantajoso contratar um terceiro do mesmo gênero que o mais produtivo, por exemplo, evitando a comparação de gênero. Ou contratar um terceiro tão produtivo quanto.
O resultado "do que não se vê" é que ao final os mais vulneráveis serão prejudicados.
 
Helio Beltrão
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