Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Opinião Econômica

- Publicada em 16 de Dezembro de 2020 às 21:26

País do nem-nem tem futuro incerto

Opinião Econômica - Solange Srour

Opinião Econômica - Solange Srour


William Botlender / Arte JC
Solange Srour
William Botlender / Arte JC
Economista-chefe da gestora ARX Investimentos. É mestre em economia pela PUC-Rio
A expressão "nem-nem" é comumente utilizada para definir a população jovem que nem trabalha nem estuda e, portanto, está fora do mercado de trabalho e das instituições educacionais.
Recorro à expressão para caracterizar o Brasil de hoje: um país que nem infringe as regras fiscais nem avança nas reformas. O ano se encerra sem o governo sequer apresentar a tão importante PEC Emergencial, ao mesmo tempo que mantém a promessa de não furar o teto dos gastos e refuta ideias criativas que destruiriam nossa única âncora fiscal.
O cenário internacional favorável permitiu uma significativa apreciação do real, de R$ 5,80/US$ para cerca de R$ 5,10/US$.
A sensação de termos saído da iminência de uma grave crise cai como uma luva. Com o Congresso paralisado em meio às disputas pelas presidências das duas Casas, a pauta econômica é abandonada sem causar constrangimentos, ainda que a situação do país permaneça tão vulnerável quanto estava antes.
Se a euforia externa continuar por mais alguns meses, é bem provável que o incentivo à proposição da PEC Emergencial se esvaia completamente. O nem-nem será o novo "modus operandi" de 2021. E até quando ficaremos vivendo à custa do bom humor externo como jovens formados que sobrevivem à custa dos pais?
Deprimindo cada vez mais os investimentos públicos e correndo o risco de paralisar a máquina pública, o Brasil pode até atravessar a segunda metade do atual mandato presidencial sem retomar a agenda reformista. Entretanto, não escapará de conviver com uma elevada incerteza durante todo esse período, principalmente a partir do momento em que o debate eleitoral de 2022 ficar mais próximo.
Sem mecanismos que garantam a manutenção do teto de gastos, o país conviverá com os riscos de que os ventos internacionais mudem de direção ou de que as pressões populistas ganhem proeminência novamente.
Há bastante evidência empírica sobre os impactos negativos da incerteza econômica nas decisões das empresas e dos indivíduos, assim como no investimento e no consumo, na geração de emprego e, de forma mais geral, no PIB.
No artigo "Measuring economic policy uncertainty" (bit.ly/3r2Wuqd), Baker, Bloom e Davis (2015) desenvolvem um índice de incerteza de política econômica baseado em notícias de jornais para 12 principais países, desde 1900. Os efeitos estimados por esse índice tiveram elevada aderência ao desempenho mais fraco dos Estados Unidos e da Europa após vários períodos de aumento de incerteza.
A atual pandemia trouxe uma importância ainda maior para essa questão. A partir do momento em que governos foram pressionados a adotar ações sem precedentes para combater tanto a doença quanto a crise econômica, o distanciamento entre atores políticos e partidos se aprofundou em todo o mundo.
Como bem relatam Aksoy, Eichengreen e Saka (2020), epidemias passadas diminuíram a confiança nas instituições e nos líderes, principalmente em governos com pouca sustentação política. É evidente que os desdobramentos da crise já estão gerando impactos eleitorais que podem alterar completamente a política econômica nos mais diversos países.
Com base no índice criado em 2015, Baker, Bloom e Devis examinam no recente artigo "Elections, political polarization, and economic uncertainty" (2020) o aumento da incerteza da política econômica nos meses anteriores às eleições nacionais em 23 países.
O estudo identifica um claro aumento da incerteza principalmente antes de eleições bem disputadas e polarizadas. O padrão histórico sugeria que as eleições presidenciais dos EUA de 2020 trariam um aumento substancial da incerteza econômica, como de fato ocorreu.
Os efeitos econômicos de eleições como a americana são relevantes e podem ser mais permanentes, pois a polarização política muitas vezes transborda para a polarização econômica.
O ano que vem pode nem trazer uma grave crise nem ser o ano das reformas, mas dificilmente escapará de ser um ano de elevada incerteza. Teremos de enfrentar um duplo desafio: o período pós-pandemia e as consequências de um ano pré-eleitoral.
Por mais que o ambiente internacional seja benigno, será difícil a economia não sofrer os impactos negativos da falta de perspectivas mais claras. É o que sugere a experiência histórica.
Solange Srour
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO