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Opinião Econômica

- Publicada em 28 de Setembro de 2020 às 21:27

As consequências do aborto negado

Cecília Machado

Cecília Machado


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Cecilia Machado
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Economista
A indicação de um novo membro para a Suprema Corte Americana promete muitas mudanças no entendimento sobre temas polêmicos, desde posse de armas a imigração. Ainda que preocupações momentâneas estejam relacionadas a uma indicação que acontece às vésperas de eleição presidencial, um colegiado majoritariamente conservador coloca em dúvidas o direito ao aborto que foi estabelecido em 1973, no emblemático caso Roe vs. Wade.
Na ocasião, uma mulher solteira, de 21 anos, grávida do terceiro filho, que adotou o pseudônimo Jane Roe na ação, desafiou a constitucionalidade da lei do Texas que proibia o aborto eletivo. Em decisão acachapante, 7 a 2, a Suprema Corte julgou a lei como inconstitucional com base no direito à privacidade, que delega às mulheres o direito de decidir sobre a gestação.
A decisão não conferiu direito absoluto ao aborto, sendo permitida a imposição de restrições por parte dos estados a partir do segundo trimestre de gestação.
São muitos os descontentes com a forma como foi fundamentada a legalização do aborto nos EUA, incluindo Ruth Bader Ginsburg, última ocupante do cargo agora vacante na Corte, e defensora incisiva dos direitos das minorias e da igualdade entre os gêneros. Não que sua posição pessoal fosse contra o direito ao aborto, mas, para ela, uma defesa mais contundente deveria abordar questões relacionadas à igualdade entre os gêneros, e não apenas o direito à privacidade.
Nesse aspecto, já está documentado o enorme e persistente declínio no salário e emprego das mulheres seguido do nascimento de filhos, sendo bastante legítimo associar parte das desigualdades entre os gêneros a este motivo. Mais controverso é atribuir ao aborto a melhor forma de mitigar uma gravidez indesejada, já que o uso de anticoncepcionais funciona como alternativa viável e fácil, tendo sido por muitos anos associado à expressiva emancipação socioeconômica das mulheres que ocorreu nos anos 1960 e 70.
Essa visão foi recentemente contestada por Caitlin Knowles Myers no renomado Journal of Political Economy de 2017, abrindo frente para interpretação alternativa sobre a importância da liberalização do aborto na década de 1970 para as mudanças observadas.
Se de um lado a pílula garante maior controle sobre consequências não planejadas do sexo, de outro sua taxa de fracasso chega a atingir 9% em um primeiro ano de uso, constituindo método bastante imperfeito de controle. Além disso, é plausível que o ganho da prevenção tenha sido mais do que compensado pelo aumento da atividade sexual entre os jovens, especialmente no período em questão.
A análise mostrou que a legalização do aborto para jovens mulheres foi responsável por um terço do declínio na probabilidade de maternidade na adolescência (antes dos 19 anos) e pela metade da queda nos casamentos que acontecem em decorrência de uma gravidez.
Nas palavras de Myers, as profundas transformações sociais e econômicas da época, via controle da fecundidade, são muito mais decorrentes do "poder" da liberalização do aborto, do que do "poder" da pílula.
Ainda hoje, 45% das concepções nos EUA são não planejadas -18% delas são totalmente não desejadas-, e a incidência chega a ser duas vezes maior entre as mulheres pobres. 42% das concepções não planejadas terminam em aborto.
Na contramão da liberalização que ocorreu na década de 70, sucessivas restrições de acesso ao aborto vêm sendo implementadas nos últimos anos -como restrições ao procedimento de acordo com idade gestacional, o aumento do tempo de espera para a realização do procedimento, o fechamento de clínicas e o aumento das distâncias percorridas para o acesso.
Os efeitos adversos já começam a ser sentidos, incluindo impactos financeiros expressivos para aquelas cuja opção de escolha está sendo negada, como o aumento do endividamento, da inadimplência e falência pessoal (Miller et al. 2020).
Submeter mulheres a um tratamento diferenciado com base na sua situação gestacional, que é o que está acontecendo aqui, é negá-la tratamento igualitário perante a lei.
Foi exatamente isso o que disse Ginsburg em sua audiência de confirmação para a Suprema Corte Americana em 1996.
 
Cecilia Machado
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