Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em Economia pela New School for Social Research.
Entramos na fase mais difícil da crise. O número de infectados por Covid-19 continua aumentando, e a capacidade de atendimento dos hospitais já se esgotou em várias cidades.
Relatos da imprensa indicam que médicos têm sido forçados à "escolha de Sofia", isto é, a decidir quem deve receber o melhor tratamento diante da escassez de equipamentos para atender a todos os doentes.
Infelizmente, a situação não é surpresa. Desde o início da crise, vários especialistas em saúde pública apontaram que seria preciso adotar distanciamento social para "achatar a curva", isto é, diminuir a concentração do número de doentes em curto espaço de tempo.
Mesmo com distanciamento social, era esperado aumento substancial da demanda por leitos de UTI nos hospitais, bem como a necessidade de mais equipamentos especializados para atender aos pacientes mais graves.
Em paralelo à novela Bolsonaro-Mandetta e à polêmica "fecha-abre a economia", a maioria dos especialistas em saúde pública alertou as autoridades para o fato de que era necessário e urgente reforçar o SUS enquanto o pior não chegava.
O pior chegou. Mesmo com construção de hospitais de campanha em várias cidades e aquisição emergencial de ventiladores pulmonares, nossa preparação para a fase mais crítica desta crise ficou aquém do desejado.
Houve erros e acertos. Provavelmente lidaremos com isso mais à frente. Agora a prioridade de todas as autoridades deveria ser o combate à Covid-19, com administração inteligente do isolamento social e mais reforço nos hospitais.
Precisamos aumentar a disponibilidade de ventiladores pulmonares, com importação e produção nacional do equipamento. Várias empresas e universidades já se apresentaram para a tarefa, com desenvolvimento de produto nacional e reconversão de capacidade industrial para atender à demanda emergencial dos hospitais.
Nessa situação, fiquei surpreso ao ler que o novo ministro da Saúde, dias antes de assumir o cargo, disse que o atual investimento em equipamentos poderia ser excessivo, pois "hoje você tem um número de ventiladores mecânicos de que você precisa, aí de repente você dobra a sua quantidade de ventilador mecânico. O que você vai fazer com isso depois?".
Na era das redes antissociais, várias pessoas responderam à dúvida do então futuro ministro sugerindo... melhor manter o decoro. A declaração de Nelson Teich está disponível no YouTube, no canal Oncologia Brasil, para quem quiser avaliar o contexto no qual ela foi dada.
Acho que o novo ministro da Saúde já reavaliou sua posição, pois precisamos salvar vidas e podemos fazer isso gerando produção e emprego no país.
Sobre depois da crise, não sou especialista em saúde pública como Teich, mas, dado que o ministro se aventurou a fazer cálculo de custo-benefício de ventiladores pulmonares, faço uma observação de economista: mesmo que todos os ventiladores adquiridos agora virem sucata depois da crise, terá valido a pena salvar vidas.
Talvez o dilema de Teich decorra de seu passado no sistema privado de saúde, em que calcular custo-benefício de salvar vidas faz parte do dia a dia de planos de saúde e administração hospitalar com lógica de mercado.
Para tranquilizar as preocupações econômicas do ministro, informo que, diferentemente da lógica privada, o "Plano de Saúde" chamado Brasil tem capacidade (capital, trabalho e tecnologia) para produzir mais ventiladores agora e lidar com as condições financeiras desse investimento no futuro.
Nesta fase crítica da crise, a restrição financeira do Estado não é nosso maior problema.