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Opinião Econômica

- Publicada em 18 de Março de 2020 às 21:44

A mão invisível e o Estado mínimo

Cida Bento

Cida Bento


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Cida Bento
ARTE/FOLHAPRESS/JC
Diretora-executiva do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP
Nesta quarta-feira (18), finalmente foi possível deixar de ouvir da mídia corporativa o mantra "precisamos aprovar o pacote de reformas", habitualmente utilizado como solução para todo e qualquer problema que é debatido no país.
E, mesmo que os principais institutos de pesquisa venham evidenciando que desde o início das reformas as dificuldades enfrentadas pelo Brasil vêm se agravando -a pobreza foi ampliada, a informalidade nunca foi tão grande, a população de rua aumentou-, o mantra "as reformas vão resolver tudo" vinha sendo constantemente repetido. Mas não nesta quarta!
Surpreendentemente, falaram: "Não se cuida da economia se não se cuidar das pessoas". "As condições de vida dos pobres favorecem o vírus". "É preciso medidas especiais para os mais necessitados...".
Sim, a dramática desigualdade brasileira que aparece às vezes no noticiário, totalmente desvinculada das discussões sobre economia, e desenvolvimento, ganharam centralidade nos desafios de enfrentamento do coronavírus.
Salta aos olhos que a grande maioria dos mais vulneráveis mora nas favelas, é nordestina, pobre, negra.
Temos quase 35 milhões vivendo sem acesso a água tratada e 100 milhões sem esgoto. Somente em São Paulo, são 24 mil em situação de rua.
É preciso enfrentar o desafio de fazer a imprescindível quarentena, em casas que possuem apenas um cômodo, com vários moradores vivendo ali e nas quais muitas vezes não há sequer um banheiro. Quando as aulas são suspensas, por exemplo, as aglomerações nas favelas ficam ainda maiores, e os riscos de contaminação crescem.
Mulheres são particularmente vulneráveis, como se observa, por exemplo, na China, onde a violência doméstica cresceu durante a quarentena.
A despeito desses e de outros grandes desafios, foi muito bom ouvir o ministro da Saúde dizer que o SUS pode ter a melhor performance mundial na identificação de casos do coronavírus.
Sim o SUS, pelo qual os movimentos sociais vêm lutando tanto, já que está combalido pelos cortes orçamentários -os cortes na verba destinada à saúde retiraram R$ 9 bilhões em 2019 via emenda constitucional do teto de gastos.
Vários médicos, bem como organizações da sociedade civil, vêm reivindicando nas redes sociais a derrubada da emenda 95, que limita os gastos do governo, bem como a liberação imediata dos R$ 5 bilhões para o SUS: o momento é especial e exige medidas especiais.
Eles recomendam um foco diferenciado nas comunidades mais vulneráveis, com os agentes de saúde aumentando o número de visitas, identificando as áreas de risco. Entendem como fundamental uma oferta maior de leitos e mecanismos de priorização no atendimento pelo SUS para as pessoas que vivem em aglomerados urbanos.
Em São Paulo, cidade mais atingida pelo coronavírus, é alarmante a diferença de número de leitos hospitalares entre os bairros de classe média e os periféricos: segundo a Rede Nossa São Paulo, enquanto a Bela Vista está no topo da lista, com 38,64, Parelheiros, Brasilândia e São Rafael não chegam a 0,1%, dentre inúmeros outros bairros que não têm nenhum.
É preciso um esforço conjunto -público e privado- para que pacientes em estado grave, com ou sem plano de saúde, possam ser atendidos.
No entanto, temos ouvido outro mantra frequente: "Na crise, o setor privado se encolhe, os investidores ficam cautelosos, inseguros. Cabe ao BNDES e ao estado resolverem".
É fundamental poder contar com as forças do mercado para auxiliar a fortalecer bens públicos como um sistema de saúde que precisa enfrentar uma pandemia. Ou só contamos com as forças do mercado para os bens privados?
Com certeza precisamos falar mais sobre "a mão invisível do mercado" e sobre "estado mínimo", num país campeão de desigualdades como é o Brasil.
Cida Bento
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