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Opinião Econômica

- Publicada em 14 de Novembro de 2019 às 03:00

Ação afirmativa é expressão de amor

Cida Bento

Cida Bento


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Cida Bento
ARQUIVO FOLHAPRESS/ARTE JC
Diretora-executiva do CEERT (Centro de Estudos das Relações de TRabalho e Desigualdades) e doutora em Psicologia pela USP
"Eu não quero ser tratado como alguém que usurpou a vaga de um estudante branco, como costuma ocorrer aqui na universidade. Por isso não disputei uma oportunidade pelo sistema de cotas."
Essa foi a resposta de um dos estudantes negros pesquisados em 2017, em São Paulo, em uma dissertação de mestrado que buscava entender por que alguns jovens que poderiam concorrer pelas cotas não o fizeram.
Assim, neste novembro, Mês da Consciência Negra, quero destacar o desconhecimento sobre o efeito "democratizante" das ações afirmativas no Ensino Superior.
Não é comum as pessoas se atentarem ao fato de que os programas de ações afirmativas no Ensino Superior implementados no Brasil a partir da ação do movimento negro vêm beneficiando outros segmentos sociais, tais como indígenas, pessoas com deficiência e inclusive jovens brancos pobres, que ficam invisibilizados nesse processo. Cotistas negros, em grande parte das vezes, são os mais atingidos pelas reações agressivas.
Pode-se exemplificar com o ProUni (Programa Universidade para Todos), que em toda a sua existência atingiu, em média, metade de jovens negros e negras. A outra metade pertencia a outros segmentos.
O ProUni nasceu de demandas do segmento negro, tanto quanto as iniciativas por cotas raciais que se transformaram em cotas sociais, na maioria das universidades em que foram implantadas. Sob o olhar da branquitude, a alteração dessas propostas sempre foi defendida para incluir outros segmentos, mesmo os que não sofreram a violência racial. E o protagonismo negro na proposição dessa política é invisibilizado.
A política de ação afirmativa - medidas especiais e temporárias, tomadas pelo Estado e/ou pela iniciativa privada para eliminar desigualdades historicamente acumuladas - hoje está implementada em todas as universidades federais e avança nos programas de mestrado e doutorado.
Sem dúvida, o cenário atual é desafiador, com o sucateamento das universidades, a redução drástica dos programas de apoio e permanência de estudantes e a reação agressiva ao aumento da presença de universitários negras e negros. Mas as ações afirmativas abriram um espaço inegável, num território antes só frequentado pela elite.
Elas deveriam atingir também o serviço público, segundo a lei 12.990/2014, mas o fazem de maneira restrita. Um exemplo são os concursos públicos para docentes de universidades federais, cujas reservas de vagas para negros não chegam a 5%, muito abaixo dos 20% determinados pela lei.
A crise no mercado de trabalho agrava essa situação, levando os profissionais que conseguem completar o curso superior a posições precarizadas, e aqueles com baixa escolarização, à informalidade.
Questionamentos sobre a "meritocracia e a perda da excelência das instituições" com as políticas de ação afirmativa ignoram as inúmeras pesquisas que revelam, no mínimo, similaridade entre o conhecimento e o desempenho de alunos cotistas e não cotistas. Ou pesquisas que revelam que programas de equidade e diversidade em instituições públicas ou privadas ampliam a inventividade e a produtividade.
Ações afirmativas são revolucionárias por reivindicar equidade num sistema político, econômico e social que se alimenta das desigualdades, da crescente concentração de renda na mão de poucos e por colocar em cena novos atores e atrizes sociais que disputam outra perspectiva de sociedade e de desenvolvimento.
Mas, em tempos de apologia ao ódio, são elas expressão de amor pelo Brasil, pois lutar por educação e trabalho de qualidade para todas as pessoas significa investir na construção de uma sociedade na qual o bem-estar de cada um é um valor primordial.
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