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Opinião Econômica

- Publicada em 11 de Novembro de 2019 às 21:50

Universidade pública e desigualdade

Cecília Machado

Cecília Machado


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Cecilia Machado
ARQUIVO/FOLHAPRESS/ARTE JC
Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Nos últimos dois fins de semana, 4 milhões de jovens prestaram o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que corresponde à principal porta de entrada ao ensino superior no país. Desde sua reformulação, em 2009, várias universidades públicas passaram a adotá-lo como critério de admissão, incluindo aquelas feitas dentro do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), plataforma integrada do Ministério da Educação que aloca parte das vagas disponíveis através do critério de nota.
O uso do Enem na admissão às universidades públicas, em particular dentro do Sisu, tem muitas vantagens. A centralização das vagas em uma única plataforma fornece informação sobre cursos e universidades e sobre o quão competitiva é a admissão para cada opção.
Uma prova única reduz os custos monetários incorridos pelos candidatos, já que a mesma nota pode ser usada como critério de admissão em vários programas. A simplificação do sistema certamente fomenta e facilita o acesso para os que têm menos informação e recursos.
Mas, ao mesmo tempo que facilita as escolhas, torna o acesso mais competitivo. No critério atual, as vagas continuam indo para aqueles que tiram as maiores notas, restando dúvida se seria realmente justo tratar de forma meritocrática jovens ricos e pobres que tiveram trajetórias educacionais tão diferentes, mesmo considerando as já existentes políticas de ação afirmativa.
Há diferenças substanciais nas notas alcançadas por alunos de escola pública, em comparação às privadas, pelos negros e pardos, em comparação aos brancos, e pelos pobres, em comparação aos ricos. Os resultados do Enem escancaram a enorme disparidade de aprendizado nos diferentes níveis socioeconômicos, dando suporte à ideia de que a competição meritocrática na última etapa educacional compara jovens em situações muito desiguais.
Entretanto, o acesso ao ensino superior representa grande oportunidade para a mobilidade socioeconômica de muitos jovens pobres, já que o diploma universitário garante acesso ao mercado de trabalho de forma mais permanente, além de um salário mais alto. Dados da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Contínua) indicam que trabalhadores com ensino superior completo ganham quase três vezes mais comparados aos que apenas concluíram o ensino médio.
Uma importante função da universidade pública é ser agente de desenvolvimento social, atuando na redução das desigualdades, em especial para aqueles sem recursos e oportunidades. Os retornos privados auferidos no mercado de trabalho da educação pública deveriam ir para os mais pobres, ampliando as possibilidades de mobilidade social.
A tarefa difícil aqui fica na conciliação entre meritocracia e redução das desigualdades, pois pobres, negros e alunos de escola pública têm notas consistentemente mais baixas, e a oferta de vagas é limitada.
Não restam dúvidas sobre a importância das cotas remediando a enorme desigualdade de acesso ao ensino superior público no Brasil. Mas as cotas não são as únicas soluções, nem as mais eficientes.
Vale lembrar que muitos jovens pobres nem chegam a completar o ensino médio. Nesse sentido, se pudéssemos escolher, nosso foco deveria se concentrar na educação de base, que não apenas coloca todos em pé de igualdade na competição de acesso às universidades públicas como também tem efeitos multiplicativos em toda a cadeia de aprendizagem.
No arranjo atual, ainda alocamos um alto percentual de vagas a não cotistas em um modelo de educação superior financiada com recursos públicos. Se continuarmos nesse modelo, em vez de considerarmos outras alternativas, nada mais natural que ampliar as cotas para os pobres e utilizar o acesso às universidades públicas como política de redução das desigualdades.
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