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Opinião Econômica

- Publicada em 30 de Setembro de 2019 às 21:14

De boas intenções...

Cecília Machado

Cecília Machado


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Cecilia Machado
Em entrevista à Folha de S.Paulo, neste domingo, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu a ampliação da licença maternidade remunerada de quatro meses para um ano.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, neste domingo, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu a ampliação da licença maternidade remunerada de quatro meses para um ano.
A justificativa é nobre: mais tempo da mãe com a criança. Nas suas próprias palavras: "Nós estamos trabalhando políticas públicas de fortalecimento da família".
Além de fomentar o desenvolvimento do vínculo afetivo entre mãe e bebê, o afastamento do trabalho após o parto tem efeitos positivos também por meio da redução do estresse materno, do incentivo ao aleitamento e da disponibilidade para cuidados em caso de doença.
Mas os afastamentos relacionados à maternidade também cumprem o propósito de acomodar a nova realidade de trabalho das mulheres nas diversas economias do mundo.
Nos EUA, a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho aumentou de 35% em 1950 para 57% em 2018 de acordo com o Bureau of Labor Statistics. De forma mais importante, muitas dessas mulheres são mães: para elas a taxa de participação é ainda maior, 71%, mas cai para 58% para mães com filhos de até um ano de idade.
Fenômeno semelhante ocorre no Brasil, reforçando a necessidade de políticas que acomodem um equilíbrio saudável entre as diversas responsabilidades das mulheres. A licença maternidade é, portanto, potencial motor de redução de desigualdades entre os gêneros.
Mas ainda que a provisão de algum tempo de licença seja positiva, as extensões não têm benefícios inequívocos, tanto para a saúde do bebê, quanto para o trabalho da mãe.
Se, de um lado, a licença permite a continuidade de vínculos trabalhistas que teriam terminado na ausência do afastamento, de outro, afastamentos muito longos atuam para depreciar investimentos feitos na relação trabalhista, diminuindo incentivos à continuidade.
Além disso, é possível que os custos da política sejam substanciais para os empregadores, como aqueles associados à substituição da funcionária afastada, ainda que a reposição do salário seja inteiramente feita pelo governo. Como o custo está diretamente associado ao gênero, a provisão do afastamento pode ter consequências negativas para as mulheres no mercado de trabalho.
No Brasil, a extensão da licença é ainda complicada por três outros fatores.
Primeiro, a licença dada exclusivamente à mãe reforça a ideia de que os cuidados com o recém-nascido são função dela, e não do pai ou da família.
Nesse sentido, diversos países passaram a reconhecer a provisão de licenças parentais, qualificando todos os membros da família para o afastamento e fomentando igualdade de gênero nos investimentos que são feitos nas crianças.
Segundo, o direito à licença maternidade, à luz do nosso Judiciário, tornou-se de fato uma obrigação. Nosso sistema jurídico presume invalidade de qualquer ato de renúncia de direitos trabalhistas, incluindo a licença maternidade. Assim, retirou-se da mãe qualquer margem de escolha -se e por quanto tempo solicita o afastamento - ainda que no seu melhor entendimento e benefício.
Possíveis extensões à licença maternidade vão impedir que mulheres em ascensão profissional, com claros benefícios na continuidade de seus empregos, sejam impedidas de trabalhar. Independência financeira e crescimento profissional da mãe também geram importantes benefícios, como fonte de renda, para os filhos.
E terceiro, se a política pública visa fortalecer a família e as crianças, não deve ser feito apenas no mercado de trabalho formal. A existência de um enorme setor informal mitiga a capilaridade da licença maternidade como política pública de amplo alcance, já que privilegia apenas as mulheres em vínculos empregatícios, já em vantagem de renda e direitos. Mais justo seria fortalecer as famílias verdadeiramente vulneráveis, como as mães solteiras que trabalham sem carteira assinada e não contam com auxílio do governo na provisão de creches públicas de qualidade.
Economista, é professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
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