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Opinião Econômica

- Publicada em 28 de Agosto de 2019 às 22:34

Copo vazio

Opinião Econômica: Laura Carvalho

Opinião Econômica: Laura Carvalho


/Arquivo/JC
Em dezembro de 2017, afirmei que a recuperação da economia brasileira seria a mais lenta de nossa história. Em um dos cenários que construí na ocasião - à época considerado demasiado pessimista -, o PIB (Produto Interno Bruto) que vigorava no primeiro trimestre de 2014 só voltaria a ser atingido em dezembro de 2021 - 20 trimestres depois do fim da recessão.
Em dezembro de 2017, afirmei que a recuperação da economia brasileira seria a mais lenta de nossa história. Em um dos cenários que construí na ocasião - à época considerado demasiado pessimista -, o PIB (Produto Interno Bruto) que vigorava no primeiro trimestre de 2014 só voltaria a ser atingido em dezembro de 2021 - 20 trimestres depois do fim da recessão.
Tal ritmo de recuperação já destoava muito do observado, por exemplo, na profunda recessão de 1981-83, quando o PIB pré-crise foi atingido em apenas sete trimestres, mesmo diante do grave quadro de descontrole inflacionário e crise da dívida externa. Destoava mais ainda do discurso assumido naquela época pela equipe econômica do governo Temer.
No livro "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico" (ed. Todavia), que publiquei em maio de 2018, repeti a previsão. Com base na falta de motores de crescimento da demanda em um cenário marcado pelos altos níveis de desemprego, capacidade ociosa e endividamento privado, bem como por um teto cada vez mais restritivo de gastos públicos e uma já perceptível desaceleração global, concluí que estávamos mesmo diante de uma década perdida, de estagnação da renda per capita.
Mais de um ano depois, cabe um mea-culpa: tal como na esfera política, nem os maiores pessimistas conseguiriam prever o que estava por vir. Errei ao achar que o copo estava só meio vazio.
Para que seja uma década perdida em termos de PIB per capita, o que exige levar em conta as projeções de crescimento populacional, a economia brasileira teria que crescer 2,6% ao ano nos próximos cinco anos. Só assim recuperaríamos em dez anos, ou seja, no primeiro trimestre de 2024, a renda média do primeiro trimestre de 2014 -o início da recessão datado pelo Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos).
Para que seja uma década perdida em termos absolutos, ou seja, para que o nível pré-crise do PIB real seja atingido somente no primeiro trimestre de 2024, precisaríamos crescer 1,1% ao ano até lá. Parece pouco, mas, pelo andar da carruagem, não é. Afinal, se continuarmos crescendo ao ritmo observado desde 2017, o PIB real do primeiro trimestre de 2014 só será atingido em 2026. E o PIB per capita, só em 2040 e olhe lá.
Nenhum país deve conformar-se com esse tipo de trajetória, que dirá uma economia cuja renda per capita é 25,8% da norte americana. E o que é ainda mais grave para a maioria dos brasileiros: o baixíssimo crescimento observado no Brasil desde o início da crise tem sido apropriado pelo topo da distribuição de renda, como mostrou reportagem desta Folha baseada nos dados do World Inequality Database, e à custa de danos ambientais crescentes.
Estamos finalmente caminhando para um consenso de que a lentidão da atual recuperação deve-se a um problema de insuficiência de demanda, que vem sendo agravado pelo caráter pró-cíclico de nossas regras fiscais e pelas restrições crescentes impostas pelo "teto de gastos". Mas isso não basta.
Enquanto o governo continuar dobrando a aposta no diagnóstico de que os maiores entraves ao crescimento econômico são os custos com a mão de obra, os direitos do cidadão, a Constituição de 1988, as florestas, os índios ou, essencialmente, a democracia, as sucessivas frustrações com os números do PIB tornam-se um mal menor.
Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico"
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