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Opinião Econômica

- Publicada em 06 de Março de 2019 às 23:07

Contra a cara de pau

Opinião Econômica: Alexandre Schwartsman

Opinião Econômica: Alexandre Schwartsman


/Arquivo/JC
As corporações que se opõem à reforma da Previdência posam como defensoras dos pobres, mas protegem apenas seus próprios interesses.
As corporações que se opõem à reforma da Previdência posam como defensoras dos pobres, mas protegem apenas seus próprios interesses.
A análise da reforma revela que esta tem impacto maior sobre os segmentos mais ricos da população, em particular o funcionalismo, com efeitos reduzidos sobre a parcela mais pobre.
Segundo levantamento de Gabriel Tenoury, um dos jovens economistas que têm feito um trabalho precioso, a Previdência beneficiou em 2017 quase 34 milhões de pessoas, correspondendo a um gasto de R$ 890 bilhões (13,6% do PIB).
Destes, 30 milhões são os beneficiários do regime geral (INSS), que receberam R$ 557 bilhões, ou seja, R$ 18,7 mil per capita. Assim, 88% dos beneficiários ficaram com 63% dos recursos.
Já os 4 milhões restantes pertencem aos regimes próprios de governo federal, estados e municípios, percebendo 37% do valor desembolsado.
Em particular, o gasto per capita no caso do governo federal chegou a quase R$ 115 mil, atingindo cerca de R$ 80 mil no que se refere aos estados e pouco menos de R$ 50 mil para municípios.
Tais números deixam claro que os gastos da Previdência beneficiam mais que proporcionalmente o funcionalismo nos três níveis de governo, grupo que pertence majoritariamente à camada mais rica da população.
A proposta de reforma prevê redução de gastos equivalente a R$ 1,070 trilhão em dez anos, dos quais R$ 173 bilhões correspondem ao funcionalismo federal.
Adicionalmente, embora o projeto de emenda constitucional não tenha tratado dos militares, cuja Previdência é regulada por lei ordinária, as estimativas do governo sugerem que outros R$ 92 bilhões viriam de projeto de lei a ser enviado até o fim deste mês, elevando o total para R$ 1,16 trilhão.
Em outras palavras, embora o regime próprio federal, incluindo civis e militares, represente algo como 14% do gasto previdenciário, as novas regras fariam com que este grupo fosse responsável por mais de 22% da economia esperada, reduzindo o caráter regressivo do atual regime.
Não há estimativas para os demais níveis de funcionalismo, contudo não é difícil concluir que a aplicação das novas regras teriam efeito similar, exigindo mais dos estratos mais ricos da população.
Já no que se refere ao regime geral, o impacto também seria neste sentido, mas em escala menor.
Os mais pobres, como regra, já se aposentam por idade, com pouco mais de 60 anos, recebendo em média cerca de R$ 900 por mês. Já quem se aposenta por tempo de contribuição o faz mais cedo, ao redor de 55 anos, e recebe praticamente o dobro, em média, dos que o fazem por idade.
O projeto de reforma adiaria a aposentadoria desse grupo por cerca de dez anos, depois do período de transação.
Não falamos aqui de pessoas relativamente tão ricas quanto o funcionalismo, em média pelo menos, ainda que certamente mais bem posicionadas na escala de renda do que os que se aposentam por idade. Também neste caso, pede-se mais daqueles que têm mais.
Em suma, face a um caso clássico de cobertor curto, a proposta de reforma exige mais da cabeça e menos dos pés, mas a organização política da cabeça tenta barrá-la como se fosse o contrário.
É neste contexto que se situa comentário de Marcio Pinochmann, afirmando que a reforma teria efeitos recessivos sobre a economia. A defesa dos interesses das corporações já atingiu níveis que apenas a cara de pau de Pinochmann permite justificar.
Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley
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