Triângulo amoroso reinventado

Sempre foi e segue difícil separar as visões sobre vidas e obras de grandes artistas, escritores, intelectuais e outras pessoas públicas e celebridades. Questões partidárias, políticas, ideológicas e opiniões sobre economia e costumes, entre outros tópicos, mesclam-se às vidas e obras de pessoas notórias.

É bem o caso, atualíssimo, do genial cineasta, ator e autor nova-iorquino Woody Allen, que, aos 85 anos, lançou Woody Allen - A autobiografia (Editora Globo Livros, 328 páginas, R$ 68,00, tradução de Santiago Nazarian). Com seu estilo fluente e bem-humorado, o diretor de clássicos como Manhattan e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa fala de sua infância na numerosa família do Brooklin, de seus começos profissionais como roteirista-assistente de grandes nomes da era de ouro da televisão americana dos anos 1960 e de como atuou como stand-up em obscuros locais de Nova Iorque.

Depois dos trabalhos iniciais, entrou no cinema em comédias pastelão como Um assaltante bem trapalhão. Em sessenta anos de carreira produziu mais de cinquenta filmes e tornou-se um dos principais nomes do cinema mundial nos séculos XX e XXI.

Woody enfrenta sem medo todos os assuntos sobre sua movimentada vida, discorre sobre as questões de abuso sexual infantil lançadas pela ex-mulher Mia Farrow (não comprovadas) sobre seu polêmico casamento com Soon-Y e sobre o rompimento da velha amizade com o banqueiro brasileiro Jacqui Safra, além de comentar sobre o fato da célebre Editora Hachette ter suspenso, na última hora, às vésperas do lançamento, a publicação de sua autobiografia.

Em recente e longa entrevista ao jornalista Pedro Bial, Woody alega que seus acusadores estão equivocados e que espera que reconheçam que estão errados. Woody falou de seus medos no cotidiano da pandemia e, quanto ao sentido da vida, demonstrou ceticismo, entendendo que ao final das contas, não é possível saber totalmente sobre quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Woody, que já filmou em Paris e Barcelona, disse que gostaria de filmar no Rio de Janeiro, se tiver uma boa ideia para isso e se houver oportunidade.

Os relatos do livro são marcados por humor, muitos dados sobre locais e personalidades e mostram o panorama da vida na televisão e no cinema nas últimas décadas e, igualmente, os relatos falam de amigos famosos e anônimos e de como Woody é grato pelas valiosas lições que recebeu ao longo da vida pessoal e profissional. Woody como sempre debocha de suas conhecidas neuroses e coloca sem pudores situações hilariantes e tristes que viveu ao longo de 85 anos.

Como era de se esperar, o livro de Woody despertou críticas e elogios, opiniões em vários sentidos e mostrou os tamanhos das polêmicas que envolvem a vida dele e a de sua monumental obra cinematográfica.

 

Claro que ainda é cedo para, apesar de tudo o que já foi dito, ter uma avaliação final sobre a vida e a obra de Woody Allen. Ele ainda está muito vivo. Muita água deve rolar e, espera-se, muitos novos filmes virão. O tempo, os fãs passados, presentes e futuros e os críticos do cineasta vão mostrar, talvez, algum dia, toda a verdade. Toda vai ser difícil, em se tratando de Woody. A autobiografia, todavia, é importante pelos registros sobre vida de espetáculos e cinema, pelas referências a pessoas, músicas, cenários e pelos relatos de infância e juventude, bem como pelos casamentos, aventuras amorosas e outros assuntos que, ao lado da obra, interessam os curiosos espectadores. (Jaime Cimenti)