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- Publicada em 13 de Agosto de 2020 às 21:59

Pós-guerra, família e dinheiro

O irmão indulgente e a irmã superprotetora rememoram inúmeras vezes as perdas e humilhações

O irmão indulgente e a irmã superprotetora rememoram inúmeras vezes as perdas e humilhações


INTRINSECA/DIVULGAÇÃO/JC
A casa holandesa (Editora Intrínseca, 352 páginas, R$ 54,90, impresso, e e-book a R$ 37,90, tradução de Alessandra Esteche), é o romance mais recente da escritora norte-americana Ann Patchett. A obra foi finalista do Pulitzer 2020. A mesma editora já lançou, no Brasil, os romances Bel Canto e Estado de graça, que receberam os prêmios Orange do Pen/Faulkner Award. Ann é autora de cinco romances e, em 2012, foi eleita pela revista Time como uma das pessoas mais influentes daquele ano.
A casa holandesa (Editora Intrínseca, 352 páginas, R$ 54,90, impresso, e e-book a R$ 37,90, tradução de Alessandra Esteche), é o romance mais recente da escritora norte-americana Ann Patchett. A obra foi finalista do Pulitzer 2020. A mesma editora já lançou, no Brasil, os romances Bel Canto e Estado de graça, que receberam os prêmios Orange do Pen/Faulkner Award. Ann é autora de cinco romances e, em 2012, foi eleita pela revista Time como uma das pessoas mais influentes daquele ano.
A trama de A casa holandesa envolve, no clima do pós-Segunda Guerra Mundial, uma densa história de família, com perdas e ganhos. Uma conjugação de sorte com um investimento fortuito fará Cyril Conroy ingressar no ramo imobiliário, criando um negócio que logo se tornará um império e levará sua família da pobreza para uma vida de opulência.
Uma das primeiras aquisições é a casa holandesa, uma extravagante propriedade no subúrbio da Filadélfia. Porém, o que seria apenas uma adorável surpresa para a esposa acaba desencadeando o esfacelamento de toda a estrutura familiar.
A narrativa fica por conta de Danny, filho de Cyril, a partir do momento em que ele e a irmã, a autoconfiante e franca Maeve, são expulsos da casa onde cresceram pela madrasta. Os dois irmãos, que são muito unidos, são jogados de volta à pobreza. Sabem que devem contar um com o outro, mas que o vínculo inabalável, ao mesmo tempo que os salva, é o que bloqueia seu futuro.
A história se desenvolve por cinco décadas e os irmãos, apesar das conquistas individuais, só se sentem realmente confortáveis quando estão juntos. A saga da recuperação do paraíso perdido é, acima de tudo, a tentativa de superar os golpes sofridos no passado. Questões de herança, amor e perdão, de como somos e de como gostaríamos de ser vistos estão na narrativa, em meio a bom humor, raiva e à luta contra o inimigo comum.
O irmão indulgente e a irmã superprotetora rememoram inúmeras vezes as perdas e humilhações, e seu relacionamento é realmente colocado à prova quando se defrontam com a madrasta.

Os silêncios do senador

Quem caminha pela pequena rua arborizada, localizada numa extremidade isolada de um discreto condomínio horizontal, pode, nas primeiras horas da manhã, observar os silêncios eloquentes do velho senador aposentado. Ele herdou fazendas e imóveis, casou-se com uma rica herdeira, tornou-se empresário e líder de entidades de classe e foi político profissional durante décadas.
Foi um dos homens mais poderosos da República, exerceu cargos municipais, estaduais e federais. Se tivesse contado com mais alguns anos de saúde, teria chegado, quem sabe, à Presidência da República. Hoje uma cuidadora empurra sua cadeira de rodas no início da manhã e ele, na varanda do sobrado, lê os jornais e as revistas, sem dizer uma palavra. Há anos está sem falar, afásico - justo ele, que tinha o dom da palavra.
Há quem diga que ele tem consciência ou, ao menos, alguma consciência do que se passa no mundo. Muitos ficam dizendo: de quê adiantou tanto poder, tanta vaidade, tanto dinheiro, tanta ambição, tantos esqueletos guardados no armário, para acabar assim, sem poder caminhar e falar? Outros acham que ele viveu intensamente, que valeu a pena uma existência cheia de idas e vindas, paradoxos, adições e contradições, bem e mal, glória e ocaso. Todos têm razão, parece dizer o olhar baço do velho raposão, que tempos atrás apontou para a Bíblia, tomou-a e releu o Eclesiastes, sem nada expressar.
Ele deve estar pensando que é mais fácil amar o Brasil do que entendê-lo, que na Corte os grandões brigam e depois fazem as pazes e aí sobra para o País e para os cidadãos, pagadores de impostos. "Quando os elefantes brigam, quem se dá mal é a grama", diz o velho ditado africano. O velho senador até puxou brasas para as sardinhas de seus conterrâneos, andou ajudando a providenciar algumas escolas e hospitais, ao mesmo tempo em que não descuidou dos múltiplos negócios e interesses da família. Interesses públicos e privados, ações públicas e secretas, labirintos e luz do sol.
Em casa de político sem mandato nem o vento bate à porta, e ele, agora carta fora do baralho, limita-se a recepcionar os silêncios de fora e de dentro. Depois de algumas poucas horas, a cuidadora leva o ex-poderoso para dentro - aí, só na manhã seguinte, se o tempo estiver bom, ele vai aparecer, bem penteado e vestido, na cadeira de rodas com o jornais e as revistas nas mãos.
Há quem diga que, na verdade, ele não os lê mais e alguns dizem que não faz a menor diferença ele ler o repetitivo, cansativo, tétrico e previsível noticiário, que uns acham estonteante e não sei mais o quê. Velhas novidades, tragédias fabricadas e/ou anunciadas, notícias plantadas ou replantadas, bufões e heróis reencarnados e tudo mais que a História já está cansada de nos mostrar, isso tudo o senador já viu, reviu e tresviu durante uma vida de quase dez décadas. Nada de novo debaixo da luz do sol, como está lá na Bíblia.

A propósito...

Os jornalistas há anos estão com o obituário do senador pronto. Se ele algum dia morrer, poucas linhas serão acrescentadas, tipo a causa e a data da morte e alguma informação sobre os últimos dias rotineiros do velho cacique, de personalidade múltipla, complexa, decifrável e indecifrável. Muitos segredos, muitas conversas e muitas coisas indizíveis irão para o túmulo com o macróbio ilustre, que costumava seguir o antigo ditado oriental: temos duas orelhas e uma boca, que é para ouvir mais que falar. Há quem comente que, para ele, é uma benção estar fora do ar (se é que está mesmo) num momento municipal, estadual, federal e mundial desse tipo aí que estamos vivendo. Amanhã, os olhos vazios do senador se fixarão um pouco nas azaléas e apenas a brisa vai acariciar seu rosto encarquilhado. (Jaime Cimenti)

Lançamentos

  • O impasse de 1967 - A esquerda e a direita em Israel e o legado da Guerra dos Seis Dias (É Realizações, 206 páginas, R$ 54,90, tradução de Debora Fleck) (foto), de Micah Goodman, presidente do Beit Midrash Yisraeli-Ein Prat e pesquisador do Instituto Shalom Hartman, é best-seller em Israel e explica as diversas correntes ideológicas e caminhos a serem seguidos.
  • Cortella &Karnal & Pondé - Felicidade - Modos de usar (Editora Planeta, 160 páginas, R$ 42,90) é o resultado dos debates entre os três grandes pensadores, em comemoração aos 15 anos da Editora Planeta no Brasil. Eles debateram, apontaram caminhos, citaram filósofos e pensadores e apresentaram exemplos pessoais.
  • A questão urbana (Paz&Terra, 602 páginas, R$ 109,90, tradução de Arlete Caetano), é o clássico do grande pensador e professor Manuel Castells, que volta às livrarias. A obra debate sobre desigualdade na distribuição de serviços e equipamentos de consumo coletivo, fruto de ideologias dominantes, no que diz com os usos dos espaços públicos.