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Espaço Vital

- Publicada em 23 de Novembro de 2020 às 21:47

"Faz-quase-tudo"

Charge Espaço Vital

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/GERSON KAUER/EV/DIVULGAÇÃO/JC
A Samantha era uma funcionária "faz-quase-tudo" nas duas empresas - uma produtora de vídeo e uma corretora de seguros - ambas de propriedade do Apolônio, e estabelecidas no mesmo endereço. Ali ela trabalhava, de segunda a sexta-feira das 8h às 21h, com uma hora de intervalo para o almoço.
A Samantha era uma funcionária "faz-quase-tudo" nas duas empresas - uma produtora de vídeo e uma corretora de seguros - ambas de propriedade do Apolônio, e estabelecidas no mesmo endereço. Ali ela trabalhava, de segunda a sexta-feira das 8h às 21h, com uma hora de intervalo para o almoço.
O salário - de um só contrato de trabalho - vinha em dia, mas sem horas extras e penduricalhos, por mais legítimos que fossem.
Um dia, com namorado novo, a vida aliviou para a Samantha. Ela pediu demissão, recebeu as parcelas rescisórias com "pernas de anão", procurou um advogado e foi buscar indenização trabalhista. A ação teria um aspecto inusitado, mas o advogado deixou de mencioná-lo na petição inicial, requerendo apenas adicional noturno, horas extras e reflexos nas parcelas rescisórias. Nenhuma linha sobre a ocorrência de dano moral.
Depondo na audiência, a Samantha calcou duro no agir do patrão:
- O seu Apolônio me obrigava a assistir cenas previamente gravadas em motéis e montagens de vídeos pornôs que eram finalizados pela produtora dele. Meio tarado, ele dava "replay" nos momentos mais profundos. Também insistia para que eu visse o "tamanho daquelas coisas". Pedia opiniões sobre as cenas e se insinuava dizendo que eu era uma funcionária "faz-quase-tudo". Um abuso, doutor!
O juiz questionou o que significaria "faz-quase-tudo", mas Samantha desconversou:
- Ora, doutor, certamente o senhor pode imaginar, o que é que o seu Apolônio queria.
O magistrado suscitou, então, que essa insinuação de dano moral e constrangimento sexual não tivesse feito parte da inicial. Foi, então, que Samantha lamentou:
- Só se o meu advogado esqueceu, porque eu contei tudinho a ele.
Na sentença, o magistrado deferiu os pedidos da inicial (R$ 15 mil pelas parcelas rescisórias) e, de lambuja, reparação moral de R$ 20 mil "pelos constrangimentos de libertinagem que a reclamante tinha que assistir". Mas o tribunal reformou a sentença no ponto, porque a lesão extrapatrimonial não fora sequer referida na inicial.
O caso chegou ao Tribunal Superior do Trabaho (TST), com recursos da reclamante e das duas empresas, todos improvidos.
Sobre os vídeos pornôs - que a trabalhadora teria tido que assistir - o ministro relator foi sintético: "Não conheço da matéria sobre o caso do suposto erotismo compulsório, só alegado nas razões recursais, e que não foi objeto da inicial, mas somente trazido a primeira vez no depoimento pessoal da trabalhadora".
Houve o trânsito em julgado, e a condenação foi paga. Entrementes, o Apolônio segue angariando seguros e produzindo vídeos. Por efeito da pandemia, ele alterou o nicho de suas produções: o foco erótico foi trocado por produções políticas centradas no recente 15 de novembro e com novo foco, no próximo domingo 29. O empresário está apostando todas as fichas no segundo turno.
 

O jeitinho dos PMs temporários

A brutalidade no Carrefour terminou desnudando - sem nada a ver com o crime, ressalta-se - uma faceta legal-jurídico-jeitosa da figura dos policiais militares temporários. O criminoso Giovane Gaspar da Silva - que trabalhava para a empresa Vector, no supermercado - é integrante "por enquanto" (...) da Brigada Militar do Rio Grande do Sul graças a uma lei estadual (nº 11.991/2003). Por ideia do então comandante da corporação, Nelson Pafiadache da Rocha, virou lei aprovada numa solução política entre o então governador Germano Rigotto (MDB) e o deputado Vilson Covatti (PP), na época presidente da Assembleia Legislativa, criando o Programa de Militares Estaduais Temporários da Brigada Militar (2.000 vagas).
A lei está sendo questionada pela Procuradoria Geral da República desde 4 de junho de 2004. A primeira relatora foi a então ministra Ellen Gracie, substituída pela ministra Cármen Lúcia em 24 de junho de 2006. Desde então, durante 14 anos, a ação mourejou em alguma prateleira do Supremo Tribunal Federal, até ser levada a julgamento em 17 de agosto deste ano. Resultado: declaração da completa inconstitucionalidade da Lei nº 11.991/2003.
Em seguida, o Estado do Rio Grande do Sul manejou embargos de declaração, que foram improvidos. Logo depois, nova iniciativa recursal da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS): o aforamento de um pedido de modulação dos efeitos da decisão. O julgamento está pautado para próxima sexta-feira, 27. (ADI nº 3.222)

A Folha vai mudar?

O empresário Luís Frias comprou a participação de Fernanda Diamant, viúva de Otavio Frias Filho, na holding Folha Participações, dona do jornal Folha de S.Paulo. Ele torna-se, assim, o acionista majoritário da holding e, portanto, do jornal. E passa a deter 58,8% do grupo. Os restantes 41,2% continuam em mãos de Maria Cristina Frias de Oliveira, irmã de Luís. Os dois protagonizam um litígio - já com vários desdobramentos - na Justiça de São Paulo. (Processo nº 1057666-69.2019.8.26.0100).

O provisório definitivo

O mérito da ação que acaba com os PMs provisórios foi definido depois de mais de 16 anos de tramitação - algo habitual na demora crônica da Justiça brasileira e do STF. Antes que se defina a modulação dos efeitos do julgado, já se pode pinçar um revelador recado do acórdão unânime que derrubou a lei: "Privilegiar soluções provisórias para problemas permanentes acaba por agravar as dificuldades já enfrentadas pela sociedade gaúcha, que se tem servido de prestações públicas afeitas à segurança que não atendem ao princípio da eficiência, executadas por policiais que não passaram pelo crivo de processos seletivos realizados segundo princípios de mérito e impessoalidade".

"O dia mais triste"

Em nota em que comenta o assassinato ocorrido em sua unidade Passo d'Areia, em Porto Alegre, o Carrefour afirmou que o "20 de novembro foi o dia mais triste da história da empresa". E seguiu a verborragia: "Palavras não expressarão nossa angústia com a brutalidade. Daremos todo o apoio à família de João Alberto Silveira Freitas e, em respeito a ele, nossa loja de Passo D'Areia fechou na sexta-feira (20) e permaneceu fechada no sábado (21)".
Pessoas isentas sabem que o cautelar fechamento da loja teve outro motivo: proteger o patrimônio e conter o rastilho das manifestações.

Dano moral coletivo

As vítimas da "política de segurança" (?) do Carrefour não são apenas o falecido João Alberto e sua família, mas toda a sociedade brasileira. "Tal como nos crimes ambientais, a irresponsabilidade empresarial prejudica o país inteiro" - é o raciocínio do constitucionalista Lenio Streck. Ele analisa que "há casos de lesões e atos criminosos que transcendem aos valores individuais e às vítimas diretas, porque ferem a consciência moral de uma coletividade e, no caso, todo um país. Assim, é razoável que se aplique a noção de dano moral coletivo".
Mesmo não havendo caso similar, a situação comporta profunda reflexão e até uma nova forma de enxergar esse tipo de lesão, pelo seu caráter transcendente. "O fato de não haver precedentes nessa matéria - infere Lenio - antes de impedir, justifica, ante a gravidade do fato, a inauguração de uma nova cadeia decisória. E como o crime traumatizou o país todo, não há que se falar em dano individual", conclui o professor de Direito Constitucional.
Ele avaliou para o Espaço Vital que as ações possíveis são duas: um ajuizada pelo Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul na Justiça Comum, comarca de Porto Alegre; a outra, na Justiça Federal da capital, com o Ministério Público Federal como titular.

"Indignação" atrasada

O brasileiro Abílio Diniz - ex-dono do Pão de Açúcar e atualmente o terceiro maior acionista do Carrefour global (detentor de 10% das ações com direito a voto) e integrante do conselho de administração da empresa na França - também se pronunciou sobre o assassinato.
Avaliou que "o que aconteceu em Porto Alegre foi terrível e me deixou profundamente triste e indignado". E ainda tuitou se declarando "profundamente triste e indignado".