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- Publicada em 15 de Setembro de 2020 às 03:00

O juiz autêntico e a testemunha mentirosa

Charge Espaço Vital

Charge Espaço Vital


/GERSON KAUER/EV/DIVULGAÇÃO/JC
Lembro-me do magistrado Marco Antonio Barbosa Leal - que faleceu no domingo (13/9), quando em início de carreira, final dos anos 1970, conduzia uma audiência de uma ação penal - sem segredo de justiça. Três policiais civis estavam denunciados por tortura contra um preso. Na sala de audiências, eu aguardava uma audiência (no horário seguinte) de uma ação cível.
Lembro-me do magistrado Marco Antonio Barbosa Leal - que faleceu no domingo (13/9), quando em início de carreira, final dos anos 1970, conduzia uma audiência de uma ação penal - sem segredo de justiça. Três policiais civis estavam denunciados por tortura contra um preso. Na sala de audiências, eu aguardava uma audiência (no horário seguinte) de uma ação cível.
No processo-crime estava depondo uma testemunha de defesa. Pelo que percebi, ante as feições do magistrado, imaginei que ela estivesse mentindo. O depoimento ensaiado era um misto de "lero-lero", "isso eu não sei", "me contaram na delegacia". E os detalhes, o magistrado sintetizava e ditava para a escrevente. Até que a cena entrou em abusadas minúcias:
- Na hora dos fatos eu estava, na casa do doutor Fulano, preparando um churrasco para eles e os três denunciados, que aliás não são meus parentes, nem meus amigos - disse a testemunha.
- Que dia foi isso, e em que endereço? - interrogou o juiz.
- Ah... isso eu não lembro... - tentou justificar a testemunha.
- Interrompe tudo! - ordenou o dr. Marcão à escrevente.
E logo - fitando a testemunha - não deixou por menos:
- Para de mentir, ou vai se f---- comigo, além de encarar um processo por falso testemunho.
A testemunha baixou a cabeça. Houve silêncio na sala de audiências por um (quase eterno) minuto, até o doutor Marcão complementar interrogativo:
- E então, vai falar a verdade ou inventar mais mentiras?
Na sequência, o termo da audiência registrou assim: "Mediante a fiscalização do Ministério Público e a concordância do doutor defensor dos réus, foi dito pela testemunha que - resolvendo falar a verdade - retrata-se e esclarece que...".
E por aí, tim-tim por tim-tim, foram feitas as correções, etc. Duas semanas depois saiu a sentença condenando dois dos réus e absolvendo um. Três ou quatro meses depois, o tribunal confirmou.
Marcão era assim rude, mas autêntico. E - tal como seu sobrenome - leal com seus parceiros. E imparcial com os advogados, dentro do seu modo peculiar de falar sobre os mais diversos assuntos, recheados com palavrões pontuais.
Quinze anos mais tarde, na presidência da Ajuris (1992/93), foi ele quem montou a primeira assessoria de imprensa da entidade. "Precisamos nos comunicar com a sociedade, sair do topo do Olimpo e encontrar a cidadania" - me disse. E assim foi.
Numa das etapas seguintes (2006/2007), já presidente do Tribunal de Justiça (TJ-RS), querendo esclarecer a respeito de uma matéria publicada pelo Espaço Vital, foi ele quem diretamente - e sem a participação de secretária, assessor e/ou estagiário - me ligou: "Birnfeld, aqui é o Marcão, a crítica feita ao tribunal sobre a demora no processo XXX é pertinente, mas quero te informar que já determinei que...".
Dito e feito. Providências cumpridas. Processo posto a andar. Marca registrada do Marcão, sem tergiversações e sem os pináculos do cargo. Assim era o cidadão-juiz que partiu prematuramente aos 72 anos de idade, vitimado por câncer no pulmão. Foi o irreversível preço por ter sido, antes - anos a fio - fumante inveterado do Hilton longo.

Um ano a menos

Com o número de mortos e infectados diminuindo diariamente, já é possível mostrar o tamanho do estrago da pandemia. Em 2018, um homem brasileiro poderia esperar viver 72 anos e 5 meses. A estimativa com o total de óbitos registrados até o dia 10 de setembro é que essa expectativa tenha caído para 71 anos e 5 meses.
A economista Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea e especialista em envelhecimento avalia que "pode-se falar de uma perda de... um ano na vida média dos homens brasileiros, até este momento". Como 57,9% dos óbitos são de homens, o impacto maior é na expectativa de vida masculina.

A viagem da família

Estão prontos os originais escritos pela advogada Rosângela Moro que constituem a essência do livro sobre a passagem do marido Sergio Moro, no governo Jair Bolsonaro. A obra está em ajustes finais na editora - falta ainda definir o título - e será lançada em outubro. Entre as narrativas está uma viagem frustrada da família que o casal e os filhos fariam na virada de 2018/2019: férias na Europa. Mas com o convite de Bolsonaro para que Moro assumisse o Ministério da Justiça, o plano foi abandonado.
Como já estava tudo pago, Rosângela viajou com os filhos... e Moro ficou. Ele tomou posse em Brasília sem a presença de nenhum membro da família.

O esquecimento de Maia

Aumenta a pressão para a revisão do mecanismo institucional do foro privilegiado. Um ofício assinado por 27 senadores, de 11 partidos, foi remetido ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobrando votação imediata da proposta de emenda constitucional que restringe o foro especial, limitando-o ao presidente, ao vice-presidente, ao chefe do Judiciário e aos presidentes da Câmara e do Senado. Todos os agentes públicos hoje beneficiados pelo foro passariam a responder a ações criminais na primeira instância da Justiça, como qualquer cidadão.
Esse projeto (PEC nº 333) foi aprovado pelo Senado há mais de três anos. Está há 19 meses na Câmara "pronto para apreciação em plenário". Há 23 pedidos de deputados federais para urgência na votação. Não há espaço para tantos privilégios num país em que todos devem ser iguais perante a lei. A não ser que ainda haja espaço em algum tipo de gaveta.

Consolo global

Um ativo advogado trabalhista porto-alegrense expôs uma comparação ao novel cliente - salário de R$ 30 mil - que chegara, na sexta-feira, para encaminhar uma reclamatória trabalhista contra uma grande empresa que o demitira dois dias antes.
A frase consolativa: "Depois que a Rede Globo dispensou Tarcísio Meira e Glória Menezes, ninguém mais no Brasil pode se considerar seguro no emprego". Plim-plim!

E$quemão...

A Operação E$quema S, que na semana passada cumpriu 50 mandados de busca e apreensão em diversos escritórios de advocacia no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, denunciou advogados importantes. Mas muita gente estranhou não ter aparecido um nome sequer de magistrados de cortes superiores.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), os advogados forjaram contratos falsos com a Fecomércio do Rio de Janeiro com o objetivo de comprar decisões judiciais. Se eles compraram... é que alguém vendeu. Logo...

A propósito

De acordo com o notório Léo Pinheiro, ex-eminência primeira da OAS, a empresa pagou R$ 1 milhão em dinheiro vivo ao advogado Eduardo Martins, filho do novo presidente do STJ, Humberto Martins. O montante seria para que o relator-ministro-pai atrasasse a tramitação de uma ação de interesse da empreiteira. Que, por sinal, até hoje está engasgada na garganta de bons gremistas.
O modus operandi - segundo o MPF - foi o mesmo apontado na operação da semana passada: contratos vultosos e fictícios de prestação de serviços. Conforme a denúncia, Eduardo Martins recebeu R$ 40 milhões da Fecomércio do Rio de Janeiro para exercer o seu poder de influência.