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- Publicada em 03 de Agosto de 2020 às 21:27

A testemunha (mal) falante

Charge Espaço Vital

Charge Espaço Vital


/GERSON KAUER/EV/DIVULGAÇÃO/JC
Por Carlos Alberto Bencke, advogado

Por Carlos Alberto Bencke,
advogado

O jovem juiz - recém ingressado na magistratura - abre a audiência da ação de divórcio. A autora é Dona Natalina, senhora dos seus 50 e tantos anos, orgulhosa dos seus dotes físicos. Trata-se de uma daquelas mulheres de quem se pode dizer que não era bonita na acepção cheia da palavra, se me entendem, mas que não deixa de mostrar uma jovialidade meio extravagante.
O marido, seu Doralino, é passado dos 60, e mantém aquela rotina própria dos servidores públicos do município. Vive uma vida sem atrativos e sem qualquer brilho. É um "apagado", como a esposa costuma se referir à pessoa do próprio cônjuge.
Entra a primeira testemunha da autora, Gertrudes Maria Paz.
- Dona Gertrudes, a senhora é parente, amiga íntima ou inimiga das partes aqui presentes? - pergunta o juiz.
- Sou grande amiga dessa ali, a Natalina, aqui presente. De longa data, ela está sempre lá em casa, me conta cada coisa que o senhor nem imagina!...
- A senhora será ouvida como informante - esclarece o magistrado.
A testemunha atalha a fala do juiz e lasca tudo de um só fôlego:
- Então eu lhe informo, doutor. Eu sei porque a Natalina quer se separar do seu Doralino. Ela gosta muito de linguiça, mas em casa ela não conta com o Doralino. Ele é muito pão-duro, nunca tem linguiça boa, nem tem um bom fogão em casa. Ele não esquenta nada. Cada vez que a Natalina quer comer uma linguiça consistente e apimentada tem que pedir para uns amigos. Às vezes eu até empresto o meu apartamento...
- Ah, sim, claro, está certo! - constrangido pela surpresa da fala, o juiz interrompe, logo que possível. E completa, ditando ao escrevente: "Nada mais lhe foi perguntado e a testemunha foi dispensada".
Como advogado de Doralino, o doutor Arencéfalo suspira aliviado. E o doutor Adão, o causídico que representa Natalina, fica sem reação, pois havia conversado antes com a testemunha, pedindo-lhe que só falasse quando o juiz perguntasse.
O divórcio só poderia terminar como finalizou: foi consensual. Agora, os vizinhos dos ex-cônjuges frequentemente sentem o cheiro de linguiça cozinhando, vindo diretamente do apartamento que era do casal - e que, na partilha, ficou para dona Natalina.
Bom apetite!

Digressão de 2020

O governo federal anunciou a chegada, ainda neste mês, da nova cédula de R$ 200,00 às mãos dos brasileiros - ou de alguns deles, é claro.
A diretora de administração do Banco Central, Carolina de Assis Barros, atribuiu a novidade ao entesouramento. Tal fenômeno ocorre quando a população passa a guardar mais dinheiro em casa.
Para alguns setores da classe política, a novidade chega com atraso. Se a cédula de R$ 200,00 já existisse em 2017, o ex-deputado federal Rocha Loures (MDB), exemplificativamente, não precisaria ter corrido com uma ostensiva mala de rodinhas. Bastaria uma discreta mochila para transportar a propina até o táxi.

"Nada ficou provado"...

Millôr Fernandes (* 1923; 2012) foi desenhista, humorista, escritor e jornalista; todas as funções exercidas com brilhantismo. Entre as frases marcantes que deixou, uma - "O Brasil o país é do 'nada ficou provado'" - calha com acontecimentos recentes, independentes, envolvendo dois desembargadores.
O paulista Eduardo Siqueira antes de desrespeitar guardas municipais em Santos (SP) já tinha o registro de dezenas de anteriores incidentes e desavenças pessoais, inclusive a de derrubar uma cancela na saída de um estacionamento, porque ela demorava a abrir. Todas as representações foram arquivadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo "por falta de provas". Para tentar safar-se da última tropelia - toda gravada - "Siqueirinha" agora alega, na sua defesa, que a reação tida à beira-mar foi na condição de "cidadão" e não de magistrado.
Na semana passada, também viralizou o vídeo em que o desembargador José Ernesto Manzi, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Santa Catarina, diz "faz essa carinha de filha da puta", ao atropelar a sustentação oral de uma advogada durante uma sessão de julgamentos. No dia seguinte, o douto distribuiu uma nota dizendo que o xingamento fora "direcionado a outra pessoa". A verborragia explicativa tem quase 800 palavras - no rol não aparece uma vez sequer a palavra "desculpas".
Pois é: se ainda estivesse vivo, talvez Millor acrescentasse, naquela frase, que "nada fica provado especialmente em certas corporações".

Abuso do transportador

A morte abrupta de um pai antes do nascimento do filho não livra o responsável pelo evento que deu causa à sua morte de indenizar a criança em danos morais e materiais. Afinal, os direitos do nascituro iniciam na concepção. A decisão é da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça (TJ-RS) ao condenar a gaúcha Planalto Operadora de Turismo a indenizar o filho de um passageiro atropelado e morto na rodovia, nas proximidades de Santana do Livramento, após ser expulso do veículo por se encontrar embriagado, causando tumulto.
Segundo o julgado, "independentemente de o passageiro ter embarcado no ônibus com ou sem pagamento de passagem, a empresa transportadora assumiu a responsabilidade de levá-lo incólume até seu destino final". Em outras palavras, "se a empresa aceitou-o como passageiro, atraiu, para si, a responsabilidade pela sua integridade". A indenização será de 25 salários-mínimos, mais 30% das despesas com tratamento psicológico; e pensão mensal de 1/5 do salário mínimo até o filho completar 25 anos de idade. (Processo nº 70081417727).

O insistente Santander

A 4ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais Cíveis reconheceu o "excesso de ligações e a abusividade da conduta do Banco Santander", que ao longo de várias semanas aporrinhou um cidadão de Taquari (RS), cobrando-lhe débitos de terceiro, que ele sequer conhece. A juíza local Mariana Machado Pacheco negou a indenização, "porque o autor não produziu prova de que as ligações e mensagens lhe causaram constrangimento".
Com base na ata notarial já juntada à inicial, o demandante teve reconhecida a recorrência e a chatice das chamadas. "A perturbação é evidente e ultrapassa os meros aborrecimentos da vida cotidiana" - diz o acórdão, que deferiu R$ 2 mil de indenização (modestíssima ante a opulência do banco). Mas ficou o recado: serão mais R$ 100,00 a cada nova e inoportuna chamada ou mensagem. (Processo nº 71009283136).

Uma "área pequena"

Um casal de operadores jurídicos - cada um no seu respectivo órgão público - achou melhor ficar distante das teorias do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) e do governador Eduardo Leite (PSDB) e, principalmente, fugir do frio gaúcho. Assim, em férias, foram desfrutar do julho carioca, que - apesar das restrições sanitárias - estava climaticamente generoso. No hotel 4 estrelas em que se hospedaram, marido e mulher receberam ofertas de uma empresa de depilação definitiva masculina e feminina. Uma anunciava a "depilação sem dor da virilha ânus uma área pequena de brinde, por R$ 1.568,00 em até seis vezes sem juros". Os possíveis clientes não quiseram arriscar e ficaram sem saber o que seria - nos dois gêneros humanos - essa tal de "pequena área".