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- Publicada em 17 de Abril de 2020 às 03:00

O processo sigiloso do ano


GERSON KAUER/DIVULGAÇÃO/JC
Era terça-feira, dia 14, dois jornalistas independentes - o Espaço e o Vital - almoçavam próximos, respeitando as regras da pandemia. Foi quando alguém ligou de cidade perto da fronteira do Uruguai: "Chegou no tribunal a causa do ano, coisa de mais de R$ 1 milhão, reclamatória de uma cuidadora de idosos, contra uma jurista notória, seu irmão fazendeiro e a veneranda senhora mãe de ambos".
Era terça-feira, dia 14, dois jornalistas independentes - o Espaço e o Vital - almoçavam próximos, respeitando as regras da pandemia. Foi quando alguém ligou de cidade perto da fronteira do Uruguai: "Chegou no tribunal a causa do ano, coisa de mais de R$ 1 milhão, reclamatória de uma cuidadora de idosos, contra uma jurista notória, seu irmão fazendeiro e a veneranda senhora mãe de ambos".
O sotaque gauchesco ainda deu uma informação: "O relator decidiu pelo segredo de justiça. O sistema processual bloqueou o número do processo, que é formado por 20 dígitos. E não se fala mais nisso".
E desligou. O Espaço e o Vital se puseram a campo, fizeram importantes contatos e, mesmo garantindo o sigilo da fonte e dando ênfase à garantia do "off total", encontraram obstáculos. Ouviram escusas como "estou impedido"; "os advogados do caso foram meus colegas de faculdade"; "estou ocupadíssima com um caso no CNJ"; "minha mulher é amiga íntima da esposa do relator"; "advogo em um supremo caso em que a douta jurista reclamada é relatora de um recurso meu".
Os dois jornalistas foram então, protocolarmente, em busca de informação oficial. A resposta da Corte demorou um dia, e chegou atenciosa mas verborrágica: "Seguindo diretriz da Comissão de Comunicação Social e Relações Institucionais do Tribunal, fornecemos o número apenas de processos relacionados às notícias de decisões judiciais divulgadas no nosso site. Também prestamos informações à imprensa a respeito de processos em tramitação, mediante a indicação, pelo veículo interessado, do número da reclamatória. Como o pedido não se enquadra nos casos mencionados, não poderemos atendê-lo".
Espaço e Vital, desenxavidos, puseram-se a pé no rumo de suas respectivas casas. No caminho, encontraram um jurista jubilado, o doutor Bento de Ozório Sant'Hellena, a quem resumiram o caso e indagaram: "Em que artigo de lei se enquadra o segredo de justiça atribuído ao caso?".
O douto doutor Bento foi cirúrgico na resposta imediata: "Há uma violação ao artigo 5º, inciso LX, da Constituição Federal, que determina que só se poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem".
O jurista arrematou contrafeito: "A benesse dada enquadra-se em artigo nenhum, de código algum. Mas o diferencial ímpar e rutilante é que a elegante senhora reclamada, como habitante do Olimpo que é, não está entre os mortais como nós. Logo...".
Os três despediram-se. O doutor Bento foi em direção à sua morada. O Espaço e o Vital, sempre independentes, seguiram a pé e, já distantes do prédio da corte, pararam extasiados contemplando a beleza das flores num lindo e organizado jardim.
O tribunal segue fechado, nas mais amplas acepções do termo. Estamos em pleno outono, o inverno vem aí, mas certamente o setembro primaveril nos trará rosas, cravos, girassóis e espadas de São Jorge. Com e sem espinhos.

Sem minerva

A alteração legislativa sancionada na terça-feira prioriza a justiça fiscal. Em caso de empate das decisões, aplicava-se, até então, o voto de qualidade, igualmente conhecido como voto de minerva. Este era de competência do presidente da Turma, invariavelmente um auditor da Receita Federal.
Em que pese a grande maioria dos processos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais sejam julgados por unanimidade, em 2019, o voto de minerva representou 5,3% das decisões, sendo 4% favoráveis aos interesses do Fisco.

'Frio, friozinho, mas bem feitinho'

Investigações da Polícia Civil sobre o uso de atestados médicos falsos para a liberação de presos, por causa da pandemia de coronavírus, resultou, nesta quinta-feira, na prisão do advogado Leandro Horstmann (OAB-RS nº 87.255), com escritório em Gravataí (RS). Ele já estava suspenso preventivamente pela Ordem gaúcha, desde 6 de abril. Com um documento inautêntico, ele obteve a revogação da prisão preventiva de Michel Garcia Colpes.
Pilhada numa gravação telefônica, a voz - que a polícia diz ser de Leandro - comemora com um outro interessado em obter liberdade: "O plantão acabou de mandar uma decisão de um cliente lá de Camaquã, imagina. Esse louco aí já responde por um tráfico, e também tá respondendo um duplo homicídio qualificado. Mas apresentamos um laudinho frio, frio, friozinho, mas bem feitinho, de diabetes, que ele tinha diabetes, e deu certo".
Cada pedido de liberdade bem sucedido valia R$ 2 mil na conta do advogado. Cobrados antecipadamente.

Afronta à moralidade

O ex-governador do Ceará e senador Cid Gomes (PDT) foi condenado a ressarcir os cofres estaduais por ter contratado o tenor espanhol Plácido Domingo, em 2012, para a inauguração de um Centro de Convenções, em Fortaleza. Outros ex-integrantes do governo também são réus no processo, como o ex-chefe da Casa Civil Arialdo Pinho. Não há trânsito em julgado.
Cid e companhia política foram réus de uma ação civil pública por terem contratado o tenor sem licitação. O cachê e os gastos com o tenor somaram R$ 3,5 milhões. Na prestação de contas foi anotado que "o artista foi contratado mediante inexigibilidade de licitação, por ter um empresário exclusivo". No entanto, antes, uma empresa brasileira fora contratada para negociar com a empresa do cantor.
Na sentença, a juíza Nádia Pereira, da 12ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza, deu um puxão de orelhas nos políticos: "Do ponto de vista social, econômico, ético e moral, a contratação do tenor já afronta, por si só, a moralidade administrativa, considerando a disparidade entre a realidade social e econômica do Estado do Ceará e a imensurável quantia dispendida em único evento com o fito de conferir 'visibilidade' a um Centro de Eventos" (Processo nº 0160232-14.2018.8.06.0001).

Fazendo as contas

Os R$ 3,5 milhões da época do show (março de 2012) corrigidos para este abril chegam a R$ 5,7 milhões. Agregando oito anos e um mês de juros legais (97%) chega-se a
R$ 11.229.000,00. Se a indexação fosse possível pelo dólar americano, a conta dobraria.

Espera-se - depois desta pandemia que financeiramente empobrecerá a todos - que os ordenadores de despesas sejam honestos e mais austeros. E que fiquem cientes de que os absurdos podem doer no próprio bolso.

Morreu na casca

O Juizado Especial do Torcedor, no Rio de Janeiro, extinguiu sem julgamento de mérito, uma ação que buscava impor a obrigação, pela CBF, de divulgar os diálogos entre os árbitros de futebol e a turma da sala do VAR.
O juiz Leonardo Rodrigues Picanço considerou, entre outros pontos, "a quantidade incalculável de pedidos que seriam levados à Justiça caso a demanda fosse aceita". E imaginou que, a partir daí, os objetivos seriam dois: a) tentativa de alterar os protocolos de arbitragem dos jogos; b) rediscussão jurídica dos resultados das partidas.