Hoje é dia de pagamento e estou feliz. Para começar, vou almoçar na Praiana da Rua da Praia, bife a milanesa com massa e uma Charrua Limão. Para economizar, até pensei em almoçar na pensão da velha Eda, na Riachuelo, mas pensei bem e acho que meu estômago merece, coitado, só come coisa ruim. Nem dá para olhar muito, porque a comida se mexe. De sobremesa, um Bastão de Leite, adoro aquele gostinho de avelã.
Como hoje é sexta-feira, vou me esbaldar. Não vou na turma das piadas novas, na frente da Casa Lyra, mas assim que sair do banco, vou dar uma conferida nas grinfas da Casa Sloper, na Rua da Praia. Se eu tivesse um pé de borracha, era só arrodear a chave do carro que o maná cairia do céu. Como eu queria ter um fuquinha!
Meu amigo Jorge tem um Aero Willys 1961, o pai dele é rico, mas entre um jipe de fatiota e o fuca prefiro este. Colocaria dois canos retos na descarga, direção esportiva, daquelas pequenas, conta-giros e uma bolota na palanca. Sonho. Depois vou tomar banho, me passar água de colônia Lancaster, botar a calça de sair e o sapato Samello comprado na Kirk. Afinal, economizei meio ano para comprar um em três prestações. Se eu pelo menos ganhasse o dobro, poderia ser à vista. Também gostaria de uma fatiota de alpaca, aquele tecido brilhoso, e com ele um sapato social Clark preto da Casa Seabra. Outro que não era para meu bico. A frustração nasce nos sonhos.
Botei o Banlon amarelo, fiz a barba com lâminas Wilkinson que o garçom Creso do Bob's Bar me vendeu, e abri o portão da noite criança. Hesitei sobre a abertura dos trabalhos. O baratíssimo lombo de porco ou salsicha bock com salada maionese e pão preto com chope idem, no Renânia, na Hoffmann, perto da Cristóvão Colombo, ou o igualmente barato Galeto Scur, na Benjamin Constant. Ó doce dúvida. O problema era depois, com o estômago forrado e digestão feita. Hoje não vou no cabaré da Miram ou da Dorinha. As gurias do Magriffe, na Bento Gonçalves me dão desconto. Fica pra outra. Hoje eu quero no mól.
Iria eu completar a via sacra em outros bar-chopes ou entraria logo a serviço da paixão? Três opções. Uma era esperar a noite ficar adulta e esperar a saída do mulherio das boates da Farrapos para dar uma de João sem braço, outras era pescar no Monte Blanco, perto da Santo Antônio, ou iria ao Treviso, do Carlinhos, no Mercado Público?
Neste último, o jogo era de paciência. E tinha que ser a madrugada. A estratégia exigia que se fizesse uma cara de pidão, bebericando uma cerveja até a chegada das mulheres da boate Mônica, as mais caras, e uma vez o anzol lançado, era esperar uma delas morder a isca. Em dias de pagamento, fim de mês, o movimento dobrava. Então, algumas faziam benemerência. Sabem como é, guri bonito, novinho...
O que eu queria mesmo era uma guria para dormir de conchinha durante toda a noite. Aquela da rua Sarmento Leite seria uma boa, mas a mãe dela gruda na filha como carrapicho. Todas querem casar, arre que coisa mais difícil!