Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cinema

- Publicada em 26 de Maio de 2022 às 18:43

O poder e a fúria

Hélio Nascimento
Pela primeira vez trabalhando sem a companhia do irmão Ethan, Joel Coen não se afasta da temática principal de uma obra cinematográfica que vinha sendo construída a quatro mãos. E também pratica um ato de ousadia ao transpor para a tela, esse espaço que amplia os limites do palco, uma das mais conhecidas peças de William Shakespeare, aquela na qual é colocado em cena e desenvolvido o tema da ambição impulsionada por anseios que um dos personagens da peça chama de "pensamentos malditos aos quais a natureza dá passagem durante o sono". Várias vezes transformada em imagens por cineastas, entre eles Orson Welles e depois por Akira Kurosawa e Roman Polanski, Macbeth já havia tido uma versão marcada pelo ineditismo, quando o primeiro dos cineastas citados, antes de realizar Cidadão Kane, que o tornaria mundialmente conhecido, encenou no New York's Negro Theatre Unit, localizado no Harlem, em 1936, um espetáculo intitulado Voodoo Macbeth, com a ação da peça transposta para o Haiti. Welles voltaria ao tema, agora como cineasta, em 1948, quando realizou Macbeth, reinado de sangue. Welles, shakespeariano em todos os filmes que realizou, iria em seguida realizar uma versão de Otelo, que ele próprio reconhecia devia muito à ópera que Giuseppe Verdi, outra influência na obra do diretor, havia composto a partir da peça. Coen, portanto tinha muitas referências, algumas claramente percebidas no filme. Porém, certamente o que mais deve ser ressaltado é a permanência dos temas principais da obra antes realizada pelos Irmãos Coen, mais evidentes ainda em algumas liberdades tomadas pelo cineasta.
Pela primeira vez trabalhando sem a companhia do irmão Ethan, Joel Coen não se afasta da temática principal de uma obra cinematográfica que vinha sendo construída a quatro mãos. E também pratica um ato de ousadia ao transpor para a tela, esse espaço que amplia os limites do palco, uma das mais conhecidas peças de William Shakespeare, aquela na qual é colocado em cena e desenvolvido o tema da ambição impulsionada por anseios que um dos personagens da peça chama de "pensamentos malditos aos quais a natureza dá passagem durante o sono". Várias vezes transformada em imagens por cineastas, entre eles Orson Welles e depois por Akira Kurosawa e Roman Polanski, Macbeth já havia tido uma versão marcada pelo ineditismo, quando o primeiro dos cineastas citados, antes de realizar Cidadão Kane, que o tornaria mundialmente conhecido, encenou no New York's Negro Theatre Unit, localizado no Harlem, em 1936, um espetáculo intitulado Voodoo Macbeth, com a ação da peça transposta para o Haiti. Welles voltaria ao tema, agora como cineasta, em 1948, quando realizou Macbeth, reinado de sangue. Welles, shakespeariano em todos os filmes que realizou, iria em seguida realizar uma versão de Otelo, que ele próprio reconhecia devia muito à ópera que Giuseppe Verdi, outra influência na obra do diretor, havia composto a partir da peça. Coen, portanto tinha muitas referências, algumas claramente percebidas no filme. Porém, certamente o que mais deve ser ressaltado é a permanência dos temas principais da obra antes realizada pelos Irmãos Coen, mais evidentes ainda em algumas liberdades tomadas pelo cineasta.
Dois dos melhores filmes realizados pela dupla, Fargo e Onde os fracos não têm vez, tratam deste tema. Em ambos, os protagonistas, um tentando um golpe na organização onde trabalha e outro enfrentando uma ameaça representada por uma criatura maligna e invencível, procuram o poder e a riqueza, ultrapassando limites e sofrendo as consequências de tal ousadia. Os filmes anteriores dos irmãos sempre partiam de situações regidas pela normalidade e que aos poucos vão sendo alteradas pela irracionalidade e por aquelas forças que por vezes não encontram barreiras capazes de controlá-las. O castigo espera os ousados movidos pela ambição. A pena é imposta pelo próprio sistema, numa vingança destinada a exterminar qualquer ameaça. A floresta e aquele nascido de forma não natural se transformam em justiceiros implacáveis, mesmo que por vezes utilizem elementos que agem como sombras ameaçadoras, vinda de um mundo paralelo, como o personagem de Javier Bardem em Onde os fracos... Coen em seu Macbeth se permite algumas liberdades, entre elas a utilização dos pássaros na cena final, de certa maneira uma volta ao início da narrativa. É quando um personagem, que adquire no filme relevo maior do que no original, como que regressa à caverna e ao mundo primitivo, libertando as fúrias que continuarão a agir e a mover mundo.
As adaptações de obras de Shakespeare jamais procuraram esconder sua origem. Mas é importante ressaltar que o grande Joseph L. Mankiewicz quando realizou sua versão de Júlio César, procurou manter uma naturalidade cinematográfica, mesmo que manchada de sangue e tumultuada pela retórica. Joel Coen em sua versão privilegia cenários que lembram Kane, e por vezes se aproximam do Eisenstein de Ivan, o terrível. E há pelo menos um plano que parece retirado de uma das cenas de Alexander Newski, aquela espécie de cantata cinematográfica do mesmo cineasta. E a presença de Denzel Washington, além de outros intérpretes, talvez seja uma homenagem àquele espetáculo já citado de Welles, além de realçar o talento de um dos melhores atores do atual cinema americano. E para finalizar, voltando a Mankiewicz, é interessante lembrar que em Cleópatra, filme que era para ser uma homenagem a Shakespeare, antes de ser mutilado pela Fox, mas no qual permanecem trechos admiráveis, a cena do discurso de Marco Antônio é concluída num movimento de câmera que termina focalizando um personagem mudo, uma crítica à palavra que por vezes esconde propósitos não reveladas pelo verbo, um tema que está também presente no filme de Joel Coen.
 
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO