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Cinema

- Publicada em 06 de Janeiro de 2022 às 18:27

Filmes e paixões

Hélio Nascimento
A filmografia de Woody Allen chega ao número 50 com este Festival do amor, título brasileiro que retira relevo que o original reserva ao protagonista de um relato que não se afasta das obsessões do realizador, colocando na tela novas variações sobre o sempre presente tema da busca da essência daquilo que move o ser humano na procura de um sentido para sua existência.
A filmografia de Woody Allen chega ao número 50 com este Festival do amor, título brasileiro que retira relevo que o original reserva ao protagonista de um relato que não se afasta das obsessões do realizador, colocando na tela novas variações sobre o sempre presente tema da busca da essência daquilo que move o ser humano na procura de um sentido para sua existência.
Como quase sempre acontece, o protagonista é uma figura ligada às artes. No caso do personagem vivido por Wallace Shawn, trata-se de um professor de cinema, um tanto desiludido com o que atualmente está sendo feito e que não consegue dar andamento a um livro que está escrevendo.
Não por acaso, trata-se de uma sessão de psicanálise, na qual o analista quase não aparece, o que faz com que o protagonista de certa forma fale durante o tempo de projeção com o espectador. O filme é mais um a ter como figura central o próprio diretor, não apenas por ser narrado na primeira pessoa. Allen, como se sabe, não gosta de Hollywood.
Só compareceu uma vez à cerimônia da Academia, não para receber o Oscar e sim para exaltar a cidade de Nova York, meses depois dos atentados às torres gêmeas. Sua grande admiração é o cinema europeu.
Na enquete realizada pela Sight&Sound em 2012, destinada a eleger os dez melhores filmes de todos os tempos ele colocou na lista sete europeus, um japonês e dois americanos: Cidadão Kane, de Orson Welles, e Glória feita de sangue, de Stanley Kubrick. O primeiro, por sinal, é o único americano a ter uma cena utilizada durante a ação, embora Chaplin seja também lembrado, mas apenas nos diálogos.
Em um de seus filmes, Dirigindo no escuro, o próprio cineasta vivia em cena um diretor que perde momentaneamente a visão durante a realização de um filme e decide continuar o trabalho mesmo assim. Advertido por um amigo que o resultado seria um desastre ele responde dizendo que o alerta partia de alguém que certamente não frequenta mais as salas de cinema e, portanto, não vê o que estava sendo feito.
No mesmo filme, Allen também ridiculariza parte da crítica francesa, aquela que, nas décadas de 50 e 60 do século passado, além de muitos acertos, andou transformando em gênios cineastas americanos que não mereciam tal classificação. O filme realizado por um cineasta sem visão é recebido como obra-prima pela crítica parisiense.
Agora, o diretor coloca em cena um novo gênio do cinema, um realizador pernóstico que realizou um filme sobre a possibilidade de paz entre árabes e israelenses classificado pelo professor e crítico como ficção-científica. As causas da misantropia do personagem principal são expostas de forma bem clara.
Com a ação desenrolada durante o Festival de San Sebastián o filme capta um desfile de vaidades e superficialidades, evidentes nas perguntas de jornalistas presentes ao evento. Tudo sintetizado na paixão da esposa do protagonista pelo cineasta francês.
Na figura da médica espanhola, se materializa em cena um sonho que não se realiza, uma visão que se desfaz, apagada pela realidade. Restam as imagens, no qual as lembranças de um cinéfilo se transformam não apenas em homenagens a Bergman, Renoir, Truffaut, Godard, Fellini, Buñuel e outros, pois também ilustram momentos que focalizam experiências que mesclam instantes de euforia, como o passeio de bicicleta em Jules et Jim, e registros nos quais estão fixados seres humanos reprimidos e prisioneiros, como em O anjo exterminador. C
uriosamente, vencido pela genialidade de Welles, o cineasta parece ver em Cidadão Kane, a mais precisa das constatações, aquela que expõe a impossibilidade de ser inteiramente decifrada a alma humana. O filme de Allen termina de certa forma da mesma maneira, com uma pergunta ao espectador.
E, pela segunda vez em sua obra, o realizador cita O sétimo selo. Desta vez a morte, além da celebre partida de xadrez, passa ao protagonista algumas recomendações, a fim de que uma nova e definitiva visita não seja feita brevemente. E aquela piada sobre os protetores de ouvido, além de oportuna, é mais um dardo lançado ao exibicionismo e à vulgaridade.
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