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Cinema

- Publicada em 03 de Dezembro de 2021 às 03:00

Duelistas

Hélio Nascimento
A presença de nomes famosos no elenco de Casa Gucci certamente muito deve ter contribuído para que a atenção que deveria ter sido dirigida para a proposta do diretor Ridley Scott, em seu olhar para a disputa pelo poder, tenha sido desviada para apenas um aspecto da realização cinematográfica: a direção de intérpretes e a atuação de cada um, como se um filme se limitasse a ser um torneio destinado a escolher o melhor ator ou atriz que nele atuam e não a concretização de uma visão de mundo de um autor. Scott merece ser considerado um criador, nem sendo necessário citar a maioria seus filmes, tão conhecida que é sua obra, seja pelos admiradores da ficção-científica, pelos interessados em reconstituições históricas, pelos apreciadores de narrativas policiais e também pelos que permanecem atentos ao tempo presente. O painel é marcado por um tema que por vezes aparece sugerido e mesclado a outros e na maioria das vezes ampliado de forma a dominar a narrativa. Trata-se da ação da agressividade oculta pelas engrenagens criadas pela civilização e que por vezes explode de maneira a transformar num martírio a luta pela sobrevivência como no hoje clássico Alien, o oitavo passageiro, no qual a violência nasce do próprio ser humano, numa cena bem explícita, por sinal, e se espalha por uma nave que parece aprisionar a todos, num cenário no qual a tecnologia se transforma, através de suas formas, em tenazes que diminuem o espaço e oprimem os personagens.
A presença de nomes famosos no elenco de Casa Gucci certamente muito deve ter contribuído para que a atenção que deveria ter sido dirigida para a proposta do diretor Ridley Scott, em seu olhar para a disputa pelo poder, tenha sido desviada para apenas um aspecto da realização cinematográfica: a direção de intérpretes e a atuação de cada um, como se um filme se limitasse a ser um torneio destinado a escolher o melhor ator ou atriz que nele atuam e não a concretização de uma visão de mundo de um autor. Scott merece ser considerado um criador, nem sendo necessário citar a maioria seus filmes, tão conhecida que é sua obra, seja pelos admiradores da ficção-científica, pelos interessados em reconstituições históricas, pelos apreciadores de narrativas policiais e também pelos que permanecem atentos ao tempo presente. O painel é marcado por um tema que por vezes aparece sugerido e mesclado a outros e na maioria das vezes ampliado de forma a dominar a narrativa. Trata-se da ação da agressividade oculta pelas engrenagens criadas pela civilização e que por vezes explode de maneira a transformar num martírio a luta pela sobrevivência como no hoje clássico Alien, o oitavo passageiro, no qual a violência nasce do próprio ser humano, numa cena bem explícita, por sinal, e se espalha por uma nave que parece aprisionar a todos, num cenário no qual a tecnologia se transforma, através de suas formas, em tenazes que diminuem o espaço e oprimem os personagens.
Em seu novo filme, roteirizado por Becky Jonnsten e Roberto Bentivegna, a partir de um livro de Sara Gay Forden, Scott reconstitui acontecimentos verídicos, que de alguma maneira acabaram com um mito, criado em torno de uma célebre família. O curioso é que, sendo baseado na realidade, o filme, assim como o livro no qual se baseia, parece um relato de ficção. Luchino Visconti, quando realizou Os deuses malditos, que deveria ter o título de O crepúsculo dos deuses, referência direta ao final da tetralogia wagneriana, vetado pelos produtores, embora recorrendo à ficção, na verdade colocou em cena outra família, cujo poder ligado ao nazismo tinha seu destino abalado pela irracionalidade. Casa Gucci, de alguma forma, se aproxima do clássico viscontiano. Só que agora a realidade exterior é outra e o tema principal coloca personagens dominados por sentimentos diversos. Estamos diante de um patriarca de modos refinados e atento para o valor monetário de obras de arte, de um jovem desinteressado nas atividades da família e depois seduzido pelo poder, de uma figura que pensa ser um desenhista de gênio, de um empresário que se julga conhecedor de tendências modernas e que acaba atropelado por ambiciosos, e de uma Lady Macbeth, intrusa e capaz daquela atitude que termina expondo a força incontrolável da frustração. Esta referência shakespeariana vem do mundo real e até é reforçada pela presença de uma cartomante que substitui as bruxas da peça.
Durante a narrativa também se destacam cenas admiráveis, como a da tentativa do sobrinho em tentar convencer o tio de sua genialidade e tem sua mediocridade ressaltada, e principalmente a da rainha destronada, quando a soberana da noite, que prevê um grande futuro para o príncipe e herói, contempla uma sala abandonada e solitária e não completa a celebre ária de A flauta mágica. É a previsão da crise e do fracasso e um toque mozartiano em filme emoldurado por sons contemporâneos e também por outros momentos operísticos, que falam sobre figuras que dizem fazer tudo, dissertam sobre a inconstância, exaltam as alegrias proporcionadas por prazeres etílicos e também pela dor de uma mulher abandonada. Se por vezes é possível falar sobre o lugar que cada trabalho ocupa na filmografia de um cineasta, em vez de destacar a coerência e a unidade de uma filmografia, provavelmente o novo filme de Ridley Scott não esteja colocado entre seus trabalhos mais destacados. Mas não pode ser visto como um trabalho menor. Aos 83 anos, o cineasta se coloca entre aqueles que continuam resistindo às nefastas tentativas de transformar o cinema em instrumento destinado a afastar a realidade das telas e se distanciar dos duelos que expressam sinais reveladores.
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