Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cinema

- Publicada em 12 de Novembro de 2021 às 03:00

O teatro da solidão

Hélio Nascimento
Nascido em 1942, Werner Herzog pertence a uma geração que, na juventude, viveu num país que teve de contemplar uma realidade dura de enfrentar, tanto no sentido de encarar um passado terrível como no de conviver com as dificuldades de uma reconstrução acompanhada de visões assustadoras geradas pelo domínio da maior das aberrações. Junto com Wim Wenders e Rainer-Werner Fassbinder, ele foi um dos destaques do renascimento do cinema alemão a partir dos anos 1970. Não permaneceu na Alemanha e seu primeiro filme de destaque, Aguirre, a cólera dos deuses, produzido em 1972, foi realizado no Peru e tinha como tema principal o encontro do ser humano com forças primitivas. Seu filme mais famoso, o notável O enigma de Kaspar Hauser, realizado em 1974, era uma volta ao seu país. Ao mesmo tempo era, novamente, um relato sobre uma descoberta e um mistério. O seguinte, Fitzcarraldo, dirigido em 1982, era um regresso à América Latina, e acompanhava a tentativa de concretizar um sonho: a construção de um teatro de ópera. Três anos antes, em 1979, essa busca pelo reprimido e o desconhecido, e também a tentativa de dominar as ameaças vindas de regiões ocultas pelas convenções, aparecia na sua admirável versão do romance Drácula, de Bram Stoker, com o título de Nosferatu, o mesmo utilizado por Murnau na obra-prima realizada em 1922. Neste filme, Herzog sintetizou a amplidão do tema do regresso do reprimido. Em sua carreira, como se estivesse encarnando o protagonista de Fitzcarraldo, o cineasta ainda encontrou tempo para dirigir várias óperas, em vários teatros do mundo, inclusive no Brasil, em parceria com regentes famosos. Ele encenou obras de Wagner, Verdi, Beethoven, Carlos Gomes, não faltando mesmo A flauta mágica, de Mozart, obrigatória para cineastas interessados no gênero, depois da leitura freudiana que Bergman fez de tal obra.
Nascido em 1942, Werner Herzog pertence a uma geração que, na juventude, viveu num país que teve de contemplar uma realidade dura de enfrentar, tanto no sentido de encarar um passado terrível como no de conviver com as dificuldades de uma reconstrução acompanhada de visões assustadoras geradas pelo domínio da maior das aberrações. Junto com Wim Wenders e Rainer-Werner Fassbinder, ele foi um dos destaques do renascimento do cinema alemão a partir dos anos 1970. Não permaneceu na Alemanha e seu primeiro filme de destaque, Aguirre, a cólera dos deuses, produzido em 1972, foi realizado no Peru e tinha como tema principal o encontro do ser humano com forças primitivas. Seu filme mais famoso, o notável O enigma de Kaspar Hauser, realizado em 1974, era uma volta ao seu país. Ao mesmo tempo era, novamente, um relato sobre uma descoberta e um mistério. O seguinte, Fitzcarraldo, dirigido em 1982, era um regresso à América Latina, e acompanhava a tentativa de concretizar um sonho: a construção de um teatro de ópera. Três anos antes, em 1979, essa busca pelo reprimido e o desconhecido, e também a tentativa de dominar as ameaças vindas de regiões ocultas pelas convenções, aparecia na sua admirável versão do romance Drácula, de Bram Stoker, com o título de Nosferatu, o mesmo utilizado por Murnau na obra-prima realizada em 1922. Neste filme, Herzog sintetizou a amplidão do tema do regresso do reprimido. Em sua carreira, como se estivesse encarnando o protagonista de Fitzcarraldo, o cineasta ainda encontrou tempo para dirigir várias óperas, em vários teatros do mundo, inclusive no Brasil, em parceria com regentes famosos. Ele encenou obras de Wagner, Verdi, Beethoven, Carlos Gomes, não faltando mesmo A flauta mágica, de Mozart, obrigatória para cineastas interessados no gênero, depois da leitura freudiana que Bergman fez de tal obra.
A filmografia de Herzog dedicada ao cinema foi enriquecida em anos recentes por sua dedicação ao cinema documentário, mesmo que o realizador não tenha abandonado completamente a ficção. Com Uma história de família, ele prova que ainda tem muito a dizer através do filme encenado com intérpretes. E o novo filme, além disso, é uma espécie de mescla de documentário e ficção. Está, portanto, perfeitamente integrado à obra do cineasta. Além disso é um filme notável pela capacidade de fazer com que seus personagens sintetizem o drama da solidão. Herzog, que nunca escondeu, assim como Fassbinder e Wenders, sua admiração pelo cinema americano, talvez tenha pensado em O segundo rosto, que John Frankenheimer realizou em 1966, sobre uma organização que através de recursos técnicos e criminosos permite a pessoas uma vida diferente. Em Uma história de família, cuja ação transcorre no Japão, os recursos são outros e derivam da capacidade de integrantes da organização interpretarem diversos papeis, substituindo pessoas desaparecidas ou até ajudando interessados em não suportar certas situações. Um teatro, portanto, que dispensa o palco, mas não a plateia permitida pelo cinema. Não apenas por isso, o filme é uma demonstração de que a riqueza de nossa arte é inesgotável.
Naqueles planos que focalizam a grande cidade, o cineasta deixa claro que não está falando apenas de uma menina que através de uma encenação reencontra seu pai. O tema central se expande e na cena dos abraços, enriquecida pela utilização que o cineasta faz do Noturno, de Schubert, na trilha sonora, ele não apenas faz uma leitura comovente daquela peça musical, como expressa de forma bastante expressiva o tema da solidão e da necessidade de afeto. No epílogo, quando realidade e ficção se mesclam, fica expresso como a fantasia se mistura com a realidade, a farsa é abalada por apelos de quem também sofre dos mesmos males que pretende superficialmente apagar através de atividade remunerada. É quando o ator se depara com o seu mundo. E desse teatro, que vai da infância até uma cerimônia fúnebre, passando pelo trabalho e por uma sociedade que substitui seres humanos por robôs e na qual predomina a simulação, Herzog constrói um painel ao mesmo tempo comovente e revelador.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO