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Cinema

- Publicada em 03 de Setembro de 2021 às 03:00

Ilusões perdidas

Hélio Nascimento
Lançado nas salas exibidoras sem obter a repercussão merecida, talvez pelas circunstâncias que tanto têm prejudicado o cinema e outras atividades culturais, talvez por causar desconforto devido à maneira com que aborda o difícil tema dos problemas não resolvidos e de alguma forma acentuados durante o período histórico iniciado em 1917, na Rússia, Caros Camaradas - Trabalhadores em luta, de Andrei Konchalovsky, ainda pode ser visto através dos recursos limitados proporcionados pela tela doméstica, felizmente não suficientes para anular completamente os méritos de algumas obras. Nascido em 1937, Konchalovsky iniciou sua carreira em 1960 e só em 1979 obteve repercussão internacional com o épico Siberíade, que narrava através de vários personagens a história daquela região durante as primeiras décadas do século XX. Logo a seguir, insatisfeito com as condições de trabalho e as limitações impostas pela censura deixou seu país e passou a trabalhar nos Estados Unidos. No cinema americano ele realizou alguns filmes importantes, como Os amantes de Maria, em 1984, e O expresso para o inferno, em 1985, este último baseado em roteiro de Akira Kurosawa. E também mostrou, em Tango e Cash, com Sylvester Stallone e Kurt Russell, em 1989, como se faz, com inteligência e humor, um bom filme de aventuras. Com o fim da URSS, ele voltou às origens e agora nos brinda com um filme que expõe com clareza e olhar crítico as mazelas de um regime que pensou resolver problemas de complexidades incapazes de ser resolvidas com apelos vazios e retóricas destinadas a esconder causas em vez de abordá-las. Mas estamos longe do histerismo e da paranoia, que atualmente contemplamos. O que o cineasta pretende revelar é o processo que leva o ser humano a contemplar um espetáculo revelador, durante o qual sonhos são desfeitos e a violência é o método utilizado para calar manifestações justas diante de erros e arbitrariedades.
Lançado nas salas exibidoras sem obter a repercussão merecida, talvez pelas circunstâncias que tanto têm prejudicado o cinema e outras atividades culturais, talvez por causar desconforto devido à maneira com que aborda o difícil tema dos problemas não resolvidos e de alguma forma acentuados durante o período histórico iniciado em 1917, na Rússia, Caros Camaradas - Trabalhadores em luta, de Andrei Konchalovsky, ainda pode ser visto através dos recursos limitados proporcionados pela tela doméstica, felizmente não suficientes para anular completamente os méritos de algumas obras. Nascido em 1937, Konchalovsky iniciou sua carreira em 1960 e só em 1979 obteve repercussão internacional com o épico Siberíade, que narrava através de vários personagens a história daquela região durante as primeiras décadas do século XX. Logo a seguir, insatisfeito com as condições de trabalho e as limitações impostas pela censura deixou seu país e passou a trabalhar nos Estados Unidos. No cinema americano ele realizou alguns filmes importantes, como Os amantes de Maria, em 1984, e O expresso para o inferno, em 1985, este último baseado em roteiro de Akira Kurosawa. E também mostrou, em Tango e Cash, com Sylvester Stallone e Kurt Russell, em 1989, como se faz, com inteligência e humor, um bom filme de aventuras. Com o fim da URSS, ele voltou às origens e agora nos brinda com um filme que expõe com clareza e olhar crítico as mazelas de um regime que pensou resolver problemas de complexidades incapazes de ser resolvidas com apelos vazios e retóricas destinadas a esconder causas em vez de abordá-las. Mas estamos longe do histerismo e da paranoia, que atualmente contemplamos. O que o cineasta pretende revelar é o processo que leva o ser humano a contemplar um espetáculo revelador, durante o qual sonhos são desfeitos e a violência é o método utilizado para calar manifestações justas diante de erros e arbitrariedades.
Ao colocar como protagonista uma personagem stalinista, o cineasta dá ênfase aos que acreditavam que a repressão seria o melhor caminho para consolidar a assim chamada pátria dos trabalhadores. O processo de privatização, iniciado na última década do século passado, que colocou alguns comissários entre os maiores bilionários do mundo, mostrou que as coisas não eram bem assim. O filme de Konchalovsky, que reconstitui fatos ocorridos em 1962, aborda um período em que certas inquietações começavam a se materializar em ameaças ao regime. A greve então ocorrida, de certa forma uma reprise do que havia acontecido na Alemanha Oriental em 1953, também reprimida com violência, expôs de forma robusta como trabalhadores foram reprimidos e em muitos casos assassinados em nome da ordem e da estabilidade. Nada diferente do que costumava acontecer em países dominados por regimes direitistas. Konchalovsky também coloca em ridículo burocratas do regime perplexos diante de uma multidão que os acusa de traidores. Mas os retratos de Lenin, empunhados pelos manifestantes rebelados, não são suficientes para impedir a resposta violenta das forças policiais utilizadas para calar a voz dos participantes da revolta operária.
As sutilezas de Konchalovsky são utilizadas de forma precisa. Os atiradores de elite da KGB utilizados para assassinar personagens escolhidos entre a multidão, enquanto o exército atira para o alto visando uma dispersão, coloca claramente as divergências entre setores do regime. Mais do que isso, ao mostrar um dos atiradores carregando um provável instrumento musical, o cineasta mostra o disfarce sob o que se oculta o elemento irracional e repressivo, a impiedade em ação. O maniqueísmo é evitado pela presença de um agente da organização repressora que auxilia a protagonista num momento de extremo desespero. E ao concluir seu filme com uma frase que fala no futuro, o realizador faz o cenário exercer papel preponderante. O abismo e a falta de luz são claras ameaças de um regime que abandonou lições fundamentais, inclusive de alguns de seus mestres, sobre o respeito que merece o ser humano e as atenções que devem ser dadas à liberdade. E ao focalizar as intimidações e as ações visando ao silêncio sobre o que havia acontecido, o filme reconstitui meticulosamente como funcionava uma engrenagem burocrática e impiedosamente repressora.
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