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Cinema

- Publicada em 18 de Junho de 2021 às 03:00

A traição

Hélio Nascimento
O tema do racismo, tantas vezes abordado pelo cinema americano, ressurge na tela numa época em que, fora dela, em supermercados, em cenários de disputas esportivas, nas ruas do mundo e até mesmo em manifestações públicas o preconceito claramente se manifesta e se espalha. O diretor Shara King, outro a ser seguido com atenção entre os cineastas que agora estão iniciando a carreira, coloca seu nome com este Judas e o messias negro entre aqueles que mais se destacaram ao expor esta chaga, resultante de um processo comandado pelo desconhecimento e posto em ação por agressividades não devidamente esclarecidas por seus portadores. E entre as causas - algo que o filme de King destaca na cena do revelador diálogo entre o agente do FBI e seu chefe- está também o medo de que estruturas e privilégios sejam abalados. Desde O mundo não perdoa, realizado por Clarence Brown, em 1949; até Mississipi em chamas, dirigido nos Estados Unidos pelo britânico Alan Parker, em 1989; passando por O ódio é cego, de Joseph L. Mankiewicz, realizado em 1950; Acorrentados, de Stanley Kramer, produzido em 1958, e Ragtime, do tcheco Milos Forman, em 1981, o tema tem recebido contribuições valiosas e certamente os títulos relacionados não são os únicos. Assim como o filme de Parker, o de King também é inspirado em fatos reais, o que sem dúvida aumenta seu valor de denúncia, sem diminuir a importância que a ficção baseada em fatos reais ostenta quando manipulada com seriedade e talento.

O tema do racismo, tantas vezes abordado pelo cinema americano, ressurge na tela numa época em que, fora dela, em supermercados, em cenários de disputas esportivas, nas ruas do mundo e até mesmo em manifestações públicas o preconceito claramente se manifesta e se espalha. O diretor Shara King, outro a ser seguido com atenção entre os cineastas que agora estão iniciando a carreira, coloca seu nome com este Judas e o messias negro entre aqueles que mais se destacaram ao expor esta chaga, resultante de um processo comandado pelo desconhecimento e posto em ação por agressividades não devidamente esclarecidas por seus portadores. E entre as causas - algo que o filme de King destaca na cena do revelador diálogo entre o agente do FBI e seu chefe- está também o medo de que estruturas e privilégios sejam abalados. Desde O mundo não perdoa, realizado por Clarence Brown, em 1949; até Mississipi em chamas, dirigido nos Estados Unidos pelo britânico Alan Parker, em 1989; passando por O ódio é cego, de Joseph L. Mankiewicz, realizado em 1950; Acorrentados, de Stanley Kramer, produzido em 1958, e Ragtime, do tcheco Milos Forman, em 1981, o tema tem recebido contribuições valiosas e certamente os títulos relacionados não são os únicos. Assim como o filme de Parker, o de King também é inspirado em fatos reais, o que sem dúvida aumenta seu valor de denúncia, sem diminuir a importância que a ficção baseada em fatos reais ostenta quando manipulada com seriedade e talento.

O cinema tem deixado sua contribuição inegável e valiosa ao antirracismo, mas é interessante ressaltar que em 1939, o mesmo ano em que foi produzido ...E o vento levou, hoje tão questionado por simplificações e mesmo caricaturas dos personagens negros e exibido com uma advertência e na versão integral, Billie Holiday gravou a canção Strange Fruit, de Abel Meeropol, na qual a letra transforma os cadáveres de negros enforcados por racistas brancos no Sul americano em frutos apodrecendo ao sol. O impacto causado por tal canção foi grande e a ela é feita uma menção em Judas e o messias negro, que transcorre nos anos setenta do século passado quando a América foi abalada pela violência iniciada pelos assassinatos de Martin Luther King e Malcolm X. O filme de King é vigoroso e impactante e tem cenas notáveis em dramaticidade, mas não se limita a ser um libelo. Ao colocar em cena os conflitos de uma época tumultuada, ele atualiza os temas, ressaltando que certas ações permanecem atuantes. E como foi realizado antes de fatos recentemente acontecidos, o filme não pode, de maneira alguma, ser acusado de oportunismo. A realidade apenas confirma sua atualidade. De certa forma a obra é quase um documentário reconstituído, sem deixar de ser, também, um relato contemporâneo. Além disso, também aborda temas como o do sofrimento causado pela lucidez diante do praticado. Nesse sentido, os letreiros finais causam impacto ao colocar um ponto final na narrativa.

A engrenagem colocada em funcionamento para resolver de forma violenta um problema de extrema gravidade também merece a atenção do diretor. O ritual burocrático e o teatro montado visando a acompanhar os movimentos de contestação é focalizado com perfeição e até atinge um momento excepcional quando, como se fosse a consciência do personagem, o agente do FBI aparece numa manifestação, aplaudindo o orador que prega a revolução. Nessa cena há o lado real focalizando a ação de um agente do governo e também a força alegórica que faz aquela figura simbolizar a manipulação em andamento. Ao desenvolver paralelamente a ação de dois personagens o filme acompanha duas trajetórias opostas: uma na qual o personagem procura a concretização de um sonho; e a outra marcada pela farsa e pela traição, causadoras de um sofrimento então insuportável e depois definitivo. E ao registrar os atos reveladores de uma violência primitiva e criminosa, o filme, depois de documentar os mecanismos ocultos, expõe de forma clara o funcionamento de uma engrenagem brutal e desumana.

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