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Cinema

- Publicada em 11 de Junho de 2021 às 03:00

Duas obras notáveis

Hélio Nascimento
Os cinéfilos mais atentos, mesmo distantes das condições ideais, estão podendo ver na Netflix os dois primeiros filmes de um jovem cineasta indiano, Chaitanya Tamhane, que, pelas qualidades reveladas, evidenciam um talento bem acima da média. Não apenas isso: os dois primeiros filmes do diretor, Tribunal e O discípulo, são exemplos, hoje em dia cada vez mais raros, de um cinema distante das facilidades e inteiramente voltado para o espaço real e personagens autênticos. Talvez ainda seja cedo para falar em um novo Satyajit Ray, mas não há dúvida de que no início de sua filmografia em longa-metragem o cineasta coloca o espectador diante de dois trabalhos sólidos, principalmente pela prática de utilizar aqueles instrumentos que permitem a criação de vidas humanas em cenário que não sofre qualquer tipo de distorção. Vale dizer que estamos diante de um cinema que exalta o real ao mesmo tempo em que não recusa utilizar as armas da crítica para expor conflitos e imperfeições. Mas tudo é encenado de forma a evitar comentários. Cabe ao espectador, ao contemplar a trajetória dos personagens, captar o sentido do que é exposto pelas duas narrativas, que se centralizam em focalizar aspectos geralmente ocultos e, mais do que isso, expor inversão de valores, uns e outros mecanismos geradores de uma crise ampla e profunda, no qual o descaso pelo que deveria ser tratado como essencial é banido em nome de transformações superficiais e nefastas. Mas nada de reacionarismos: ao exaltar o ser humano que resiste ao culto das aparências e o descaso pelo patrimônio cultural, Tamhane avança e se coloca ao lado dos que possuem a noção de que a solidez de um futuro depende dos alicerces de um passado preservado pela indispensável ação destinada a manter visível a cultura e a autenticidade.
Os cinéfilos mais atentos, mesmo distantes das condições ideais, estão podendo ver na Netflix os dois primeiros filmes de um jovem cineasta indiano, Chaitanya Tamhane, que, pelas qualidades reveladas, evidenciam um talento bem acima da média. Não apenas isso: os dois primeiros filmes do diretor, Tribunal e O discípulo, são exemplos, hoje em dia cada vez mais raros, de um cinema distante das facilidades e inteiramente voltado para o espaço real e personagens autênticos. Talvez ainda seja cedo para falar em um novo Satyajit Ray, mas não há dúvida de que no início de sua filmografia em longa-metragem o cineasta coloca o espectador diante de dois trabalhos sólidos, principalmente pela prática de utilizar aqueles instrumentos que permitem a criação de vidas humanas em cenário que não sofre qualquer tipo de distorção. Vale dizer que estamos diante de um cinema que exalta o real ao mesmo tempo em que não recusa utilizar as armas da crítica para expor conflitos e imperfeições. Mas tudo é encenado de forma a evitar comentários. Cabe ao espectador, ao contemplar a trajetória dos personagens, captar o sentido do que é exposto pelas duas narrativas, que se centralizam em focalizar aspectos geralmente ocultos e, mais do que isso, expor inversão de valores, uns e outros mecanismos geradores de uma crise ampla e profunda, no qual o descaso pelo que deveria ser tratado como essencial é banido em nome de transformações superficiais e nefastas. Mas nada de reacionarismos: ao exaltar o ser humano que resiste ao culto das aparências e o descaso pelo patrimônio cultural, Tamhane avança e se coloca ao lado dos que possuem a noção de que a solidez de um futuro depende dos alicerces de um passado preservado pela indispensável ação destinada a manter visível a cultura e a autenticidade.
O primeiro filme, Tribunal, realizado em 2016, parte de um julgamento e a partir de tal tema ergue uma narrativa que focaliza de forma direta, clara e original. O filme não se limita a focalizar todo o ritual e percorre caminhos que o afastam das tradicionais situações do gênero, que por sinal é enobrecido por várias obras-primas. Depois que um cantor de protesto é preso e acusado de ter incentivado um trabalhador ao suicídio, Tamhame, meticuloso e perfeccionista nas cenas de tribunal, começa a investigar a vida de cada um dos envolvidos, método utilizado para expor características do cenário que originou tal fato. Na cena em que o advogado do réu leva uma testemunha ao bairro onde está hospedada a miséria é exposta de forma cruel e eloquente, apenas através da imagem registrada em plano fixo. E quando, depois de libertado, o cantor é novamente preso, num lado do plano, um funcionário da gráfica, como um robô e símbolo de uma engrenagem em funcionamento, completa a imagem da nova prisão. No epílogo, marcado pela ironia, depois do cinismo e do descaso pelo fundamental e exaltação da riqueza material, as crianças exercem, o papel de dissidentes, ao acordar uma justiça burocrática e sonolenta.
O discípulo, realizado em 2021 e selecionado pelo Festival de Veneza, onde recebeu o prêmio de melhor roteiro, além do Prêmio da Crítica Internacional, desenvolve o tema da decadência e da perda de autenticidade. Assim como o primeiro, é também um relato marcado pela universalidade. O observador atento de qualquer país, perceberá sem dificuldade alguma tudo que se revela na cena do restaurante, quando o protagonista, que tenta manter viva a música clássica indiana, se deixa levar pela indignação diante do discurso de um daqueles divulgadores de mediocridades, cultores de facilidades e integrantes de um processo destinado a manter indivíduos presos a bens materiais. Habilmente, Tamhane opta por uma narrativa acronológica, que explica certas atitudes do protagonista, não devidamente esclarecidas na primeira vez e depois clarificadas pela inserção de fatos anteriores. As imagens dos trens da infância e da atualidade utilizam a passagem do tempo e registram a diluição de valores que deveriam ser eternos e vez de se tornarem vítimas de um processo destinado a apagá-los da memória humana.
 
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