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Cinema

- Publicada em 22 de Janeiro de 2021 às 03:00

A volta do público

Hélio Nascimento
Certamente será uma tarefa difícil para o cinema recuperar a audiência perdida pela ação da pandemia. Quando da primeira reabertura em outubro do ano passado - houve novo fechamento algumas semanas depois - as barreiras impostas no que se referre à lotação das salas e as medidas higiênicas postas em prática, visíveis a quem compareceu às sessões então realizadas, não foram suficientes para que até mesmo o reduzido número de espectadores imposto por decreto alcançasse pelo menos uma parcela significativa.
Certamente será uma tarefa difícil para o cinema recuperar a audiência perdida pela ação da pandemia. Quando da primeira reabertura em outubro do ano passado - houve novo fechamento algumas semanas depois - as barreiras impostas no que se referre à lotação das salas e as medidas higiênicas postas em prática, visíveis a quem compareceu às sessões então realizadas, não foram suficientes para que até mesmo o reduzido número de espectadores imposto por decreto alcançasse pelo menos uma parcela significativa.
A grande esperança era que o decepcionante Tenet atraísse número expressivo de interessados. Aliás, custa a crer que uma empresa produtora norte-americana tenha acreditado em bater recordes de bilheteria em tais circunstâncias. O vexame era inevitável e de certa maneira justo, porque o filme é indigno de um cineasta que antes tinha brindado o público com o excepcional Dunkirk.
Lamentável é que o belo documentário de Bárbara Paz sobre Hector Babenco também tenha sido vítima do mesmo processo e muito pouco visto na tela apropriada. E há também outros filmes que mereciam melhor sorte e certamente teriam encontrado seu público, em vez de serem conhecidos nas telas domésticas, como Aos olhos de Ernesto, de Ana Luiza Azevedo.
E mesmo o discutível Mank, de David Fincher, exibido na tela certa para poucas pessoas, merecia, até por proporcionar discussões sobre o tema proposto, sorte melhor. Talvez o cinema nunca volte a ser o que era. Mas provavelmente continuará a ser produzido para aqueles interessados em seu valor cultural. Não seria demonstração de pessimismo colocar o cinema ao lado das livrarias, das salas de concerto, dos museus, das casas de ópera. E com certeza ele sobreviverá nas cinematecas, pelo menos em países nos quais dirigentes saibam o que tal termo significa. Teremos menos salas exibidoras. Mesmo assim é possível acreditar que pelo menos em centros onde a cultura não seja encarada como algo supérfluo nossa arte possa sobreviver.
Outro problema sério é o processo que está fazendo o cinema se transformar em vítima de um processo destinado a apequená-lo. Sendo uma arte-indústria o cinema sempre necessitou de grandes plateias para sobreviver e muitas concessões foram feitas. Porém, paralelamente a isso, ao lado das chamadas superproduções, muito material relevante foi produzido e hoje faz parte do patrimônio cultural da humanidade. Houve época em que, por exemplo, estúdios de Los Angeles abriram espaços para nomes como William Wyler, Joseph L. Mankiewicz, Orson Welles, John Huston, John Ford, Vincente Minnelli, Raoul Walsh, Howard Hawks, Ernest Lubitsch, George Stevens, Alfred Hitchcock, Stanley Kubrick, George Cukor, Fritz Lang, Billy Wilder, Joseph Losey e tantos outros que, mesmo trabalhando com roteiristas diferentes e sob pressão de produtores conseguiram fazer ouvir sua voz. Em circunstâncias ainda mais difíceis, cineastas como Serguei Eisenstein, Alexander Dovjenko e Andrzej Wajda deixaram depoimentos indispensávels para a compreensão de um tempo. Depoimentos de valor incontestáveis foram deixados por nomes como Luchino Visconti, Michelangelo Antonioni, Roberto Rossellini, Vittorio de Sica e Federico Fellini. E realizadores como Satyajit Ray, Akira Kurosawa, Yajuziro Ozu e Kenzi Mizoguchi não foram os únicos a relevarem cinematografias aqui desconhecidas e marcadas pela universalidade.
E voltando à Europa o maior de todos, Ingmar Bergman, e autores admiráveis como, Jean Renoir, Alain Resnais, François Truffaut e David Lean enriqueceram as telas do mundo. Estes são nomes - e não os únicos - que fizeram a grandeza do cinema e sempre serão referência aos que resistem a avalanche de títulos destinados a transformar o espectador em servo de futilidades.
Mas é importante também não permitir que o pessimismo tome conta do cenário. Sempre haverá resistentes e a sobrevivência do cinema é algo pelo qual vale a pena lutar. Tal combate deveria começar pela conservação e a divulgação do passado cinematográfico e sua importância, assim como é feito em outras artes. Isso não iluminaria apenas um período, pois também serviria como prova da atualidade de imagens imorredouras como aquelas que encerram Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos, que mostram um país ferido, mas ainda capaz de sobreviver.
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