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Cinema

- Publicada em 20 de Novembro de 2020 às 03:00

Realização e significado

Hélio Nascimento
Diz a lenda que num encontro entre André Bazin (1918-1958) e William Wyler (1902-1981), em um dos festivais de Cannes, o ensaísta teria dito ao cineasta, cuja obra ele admirava, que uma cena do filme Pérfida, realizado em l941, o havia impressionado. Tratava-se de um plano no qual o rosto de Bette Davis ocupava quase toda a tela e deixava espaço para que, ao fundo, o espectador pudesse ver o personagem de Herbert Marshall tentando, sem o conseguir, subir uma escada. Disse o crítico ao cineasta que em tal plano ele havia conseguido expressar com perfeição a crise vivida pelo personagem. O diretor respondeu que não havia pensado nisso e que a cena havia sido composta de tal forma porque o ator, que havia perdido uma perna na Primeira Guerra Mundial, tinha dificuldade com escadas e por isso ele havia optado por tal solução. Bazin, que foi um dos que mais exaltaram a obra de Wyler, não se intimidou com a resposta e conferiu ao diálogo uma nota de ironia e lucidez, afirmando que se fosse assim o filme dele, Bazin, era melhor do que o realizador de Os melhores anos de nossas vidas e A princesa e o plebeu. Este diálogo entre o criador e o observador expressa de forma bem clara que um filme, ou qualquer obra de arte, não tem seu significado encerrado com sua conclusão. Ele irá, depois de pronto, fertilizar a imaginação de quem o contempla, seja ele um dedicado estudioso de um meio de expressão, seja um espectador atento e sensibilizado pelo que vê, lê ou escuta. É como surgissem, a partir de determinado tema, variações infinitas.
Diz a lenda que num encontro entre André Bazin (1918-1958) e William Wyler (1902-1981), em um dos festivais de Cannes, o ensaísta teria dito ao cineasta, cuja obra ele admirava, que uma cena do filme Pérfida, realizado em l941, o havia impressionado. Tratava-se de um plano no qual o rosto de Bette Davis ocupava quase toda a tela e deixava espaço para que, ao fundo, o espectador pudesse ver o personagem de Herbert Marshall tentando, sem o conseguir, subir uma escada. Disse o crítico ao cineasta que em tal plano ele havia conseguido expressar com perfeição a crise vivida pelo personagem. O diretor respondeu que não havia pensado nisso e que a cena havia sido composta de tal forma porque o ator, que havia perdido uma perna na Primeira Guerra Mundial, tinha dificuldade com escadas e por isso ele havia optado por tal solução. Bazin, que foi um dos que mais exaltaram a obra de Wyler, não se intimidou com a resposta e conferiu ao diálogo uma nota de ironia e lucidez, afirmando que se fosse assim o filme dele, Bazin, era melhor do que o realizador de Os melhores anos de nossas vidas e A princesa e o plebeu. Este diálogo entre o criador e o observador expressa de forma bem clara que um filme, ou qualquer obra de arte, não tem seu significado encerrado com sua conclusão. Ele irá, depois de pronto, fertilizar a imaginação de quem o contempla, seja ele um dedicado estudioso de um meio de expressão, seja um espectador atento e sensibilizado pelo que vê, lê ou escuta. É como surgissem, a partir de determinado tema, variações infinitas.
O caso de Pérfida e o seguinte ser lembrado certamente não esgotam a lista de riquezas que um filme pode criar, depois de pronto e exibido. Após ter realizado O criado, em 1963, filme que tem o roteiro assinado por Harold Pinter, escritor laureado com o Prêmio Nobel, o diretor Joseph Losey (1909 - 1984) recebeu uma carta de um espectador da Austrália que o deixou surpreso, pois não havia pensado em muito do que o missivista realçava no texto. Providenciou uma cópia do filme e o viu outra vez. E confirmou sua posição. Nada do que o espectador tinha percebido nem ele nem Pinter haviam pensado. Porém, segundo o próprio Losey, estava tudo lá, nas imagens do filme.
Luis Buñuel (1900-1983) foi outro a falar sobre o tema. Mas este, que trabalhava sobre material onírico, certamente não deve ter ficado surpreso sobre interpretações diversas que seus filmes poderiam originar. E certamente não seria um exagero notar que certas cenas de Toda donzela tem um pai que é uma fera, uma comédia realizada por Roberto Farias (1932-2018) no ano de l966 expressa com clareza o que o Brasil vivia em tal período. O mesmo Farias havia realizado em 1964 um dos clássicos de nosso cinema: Selva trágica. Alguns chegaram a contestar intepretações feitas a partir da cena em que um trabalhador era obrigado a carregar peso insuportável. Mas tais críticos, presos a conceitos ultrapassados, certamente permaneceram em silêncio depois que, em 1974, Glauber Rocha (1939-1981) realizou, em parceria com Marcos Medeiros, a antologia História do Brazyl e nela incluiu tal cena, utilizando-a como como símbolo poderoso.
Numa fase em que é evidente a submissão diante de superficialidades e o culto de ações pouco interessadas em estimular a busca de significados, é certamente importante ressaltar o que pode estar oculto pelo desenvolvimento de uma trama, mas que, certamente, além de iluminar a imaginação não deligada da realidade exterior, pode conter observações necessárias ao processo destinado a lançar luzes sobre determinados períodos. Esta seria, sem dúvida, uma maneira de despertar aqueles que ainda não perceberam a relevância do cinema como expressão de uma época. Mas eles por vezes têm razão ao verem a exaltação de modismos e a simples relação de nomes. Constatar as virtudes formais e exteriores de um filme é algo que pode ser praticado, sem dúvida, mas a busca do significado será sempre algo mais importante, mesmo que seu resultado seja uma surpresa para quem, impulsionado pela imaginação ou então por imperativos de produção, pode perder o controle absoluto sobre o que realiza. O significado, este permanece à espera de quem o descubra e decifre.
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