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Cinema

- Publicada em 09 de Outubro de 2020 às 03:00

Elogios e constatações

Hélio Nascimento
Numa daquelas edições especiais dedicadas a cinematografias diversas e a nomes importantes da História do Cinema, a revista Cahiers du Cinéma, na sua fase de capa amarela, quando exerceu grande influência, valorizando nomes então negligenciados pela geração anterior de críticos, sem contestar a importância de vários mestres já consagrados, Jean-Luc Godard escreveu a respeito de Charles Chaplin dizendo que ''hoje dizemos Charles como quem diz Leonardo e Chaplin como quem diz Da Vinci". E acrescentava que "a ele devemos tudo. Ele inventou o plano-sequência em A rua da paz e o cinema-verdade no trecho final de O grande ditador". Este não foi o primeiro elogio de um cineasta para outro.
Numa daquelas edições especiais dedicadas a cinematografias diversas e a nomes importantes da História do Cinema, a revista Cahiers du Cinéma, na sua fase de capa amarela, quando exerceu grande influência, valorizando nomes então negligenciados pela geração anterior de críticos, sem contestar a importância de vários mestres já consagrados, Jean-Luc Godard escreveu a respeito de Charles Chaplin dizendo que ''hoje dizemos Charles como quem diz Leonardo e Chaplin como quem diz Da Vinci". E acrescentava que "a ele devemos tudo. Ele inventou o plano-sequência em A rua da paz e o cinema-verdade no trecho final de O grande ditador". Este não foi o primeiro elogio de um cineasta para outro.
Quando, através de uma série de filmes que colocaram na tela inovações narrativas e descobertas essenciais para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, Serguei Eisenstein e colegas de geração e trabalho exaltaram a figura de David Wark Griffith como a grande inspiração, por ter, em O nascimento de uma nação e Intolerância, lançado as bases e revelado as potencialidades da montagem. Mais tarde, Woody Allen, várias vezes, exaltou a figura de Ingmar Bergman, classificando o cineasta sueco como o maior de todos. Stanley Kubrick, de certa forma, repetiu o seu colega, ao enviar uma carta de admirador ao cineasta de Gritos e sussurros. Kubrick, que além de melômano (disse uma vez que em sua discoteca havia tudo o que tinha sido gravado de obras do século XVIII) foi um entusiasmado pelo xadrez, prestou ao Bergman de O sétimo selo uma homenagem numa sequência de 2001: uma odisseia no espaço, aquela na qual o astronauta vivido por Gary Lockwood enfrenta o computador, aproximando assim um dos protagonistas de sua obra-prima ao cavaleiro medieval vivido por Max von Sydow. O jogo com a morte era assim repetido no maior filme de ficção científica até hoje realizado.
No seu elogio a Chaplin, Godard destacou a realidade cênica como elemento essencial. Percebendo na coreografia uma arte valorizadora do movimento e do desenho no espaço criado através do corpo humano, o criador de Tempos modernos aproximou o cinema das riquezas que o olhar humano pode descobrir. Em de seus mais belos filmes, Luzes da ribalta. Chaplin transformou os movimentos de uma bailarina na alma e na criação do artista em movimento eterno, no último plano do filme.
Em todos os filmes que realizou, os melhores e os mais discutíveis, Godard, um insatisfeito com a narrativa convencional, nunca abandonou, no plano filmado, a realidade. É na montagem que seu cinema provoca entusiasmos e discordâncias. De certa forma, ele procurou unir Chaplin com Eisenstein. Este, como se sabe, enfrentou problemas e proibições criados pela força da burocracia. E Godard nunca chegou a ser um nome admirado por grandes plateias. Ele nunca repetiu o êxito de alguns dos nomes que ele admirava, nos policiais e musicais americanos, por exemplo. Certamente porque seu cinema violentava a realidade, não na imagem e sim na aplicação das regras ditadas pelo passar do tempo, alteradas por ele no uso da montagem. Eisenstein e Godard são referências essenciais, mas o cinema por eles proposto permanece como um ponto luminoso no campo da teoria.
Uma volta às origens, ao tempo dos irmãos Lumière e George Méliès, certamente nos permitirá um contato com a essência de nossa arte. Os primeiros, que não acreditavam muito no futuro de seu invento, descobriram algo que permitia a captação da realidade, conferindo movimento a figuras presas em fotografias. Mas tal invento não poderia ser limitado pela captação do real. Era necessário que a fantasia exercesse seu papel, como elemento primordial de um processo destinado a descoberta de novos mundos.
Uma viagem à lua não era, assim, apenas uma aventura. Hoje, aquele filme pioneiro nos parece uma jornada simbólica, concretizando a ideia de que o cinema não poderia se limitar a captar a realidade. Era necessário enriquecê-la com a imaginação, essa geradora de descobertas, não apenas no cenário da arte. E como não há como negar que o comutador de Alphaville é o antecessor do Hal kubrickiano, é também possível constatar que sempre haverá algo de Méliès em 2001. Esta unidade e esta solidez protegem o cinema da mediocridade que o ameaça internamente e dos ataques de inimigos criados pelo desconhecimento de sua importância.
 
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