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Cinema

- Publicada em 28 de Agosto de 2020 às 03:00

Festivais e críticos

Nenhum regime totalitário será absolvido pela história por ter deixado alguma marca relevante em setor valorizado pela cultura. Esse é um ponto em torno do qual não deve haver tolerância, sem prejuízo, no entanto, de uma observação isenta, a fim de que fatos não se tornem desconhecidos, algo que certamente irá gerar interpretações imperfeitas de fatos históricos. Um desses casos é a criação dos festivais. O primeiro deles é o de Veneza, cuja edição inaugural foi realizada no ano de 1932, quando a Itália era comandada pelo fascismo. Três anos mais tarde, era realizada a primeira edição do festival de Moscou, quando a Rússia liderava a URSS, então guiada pelo stalinismo. Alguns anos mais tarde, os dois regimes estariam em guerra e a disputa por prestígio na área cultural daria lugar a outro gênero de disputa. O festival de Veneza cresceu com o tempo. E numa época em que já apareciam os sinais da maior de todas as guerras, é interessante um olhar para os prêmios concedidos pela mostra italiana. Na primeira edição não havia júri e os prêmios foram concedidos através do voto dos espectadores. E é sem dúvida curioso o fato de o melhor diretor ter sido vencido por Nikolai Ekk, o realizador de um filme soviético, O caminho da vida, que abordava o tema dos meninos de rua em Moscou. Quanto ao Leão de São Marcos, o prêmio maior, foi dividido entre A nós a liberdade, de René Clair; O pecado de Madelon Claudet, de Edward Selwyn; O médico e o monstro, de Ruben Mamoulian, e Senhoritas de uniforme, de Leontine Sagan. Um filme francês, dois norte-americanos e um alemão. Frederic March, pelo filme de Mamoulian, e Helen Hayes, pelo de Selwyn, foram laureados.
Nenhum regime totalitário será absolvido pela história por ter deixado alguma marca relevante em setor valorizado pela cultura. Esse é um ponto em torno do qual não deve haver tolerância, sem prejuízo, no entanto, de uma observação isenta, a fim de que fatos não se tornem desconhecidos, algo que certamente irá gerar interpretações imperfeitas de fatos históricos. Um desses casos é a criação dos festivais. O primeiro deles é o de Veneza, cuja edição inaugural foi realizada no ano de 1932, quando a Itália era comandada pelo fascismo. Três anos mais tarde, era realizada a primeira edição do festival de Moscou, quando a Rússia liderava a URSS, então guiada pelo stalinismo. Alguns anos mais tarde, os dois regimes estariam em guerra e a disputa por prestígio na área cultural daria lugar a outro gênero de disputa. O festival de Veneza cresceu com o tempo. E numa época em que já apareciam os sinais da maior de todas as guerras, é interessante um olhar para os prêmios concedidos pela mostra italiana. Na primeira edição não havia júri e os prêmios foram concedidos através do voto dos espectadores. E é sem dúvida curioso o fato de o melhor diretor ter sido vencido por Nikolai Ekk, o realizador de um filme soviético, O caminho da vida, que abordava o tema dos meninos de rua em Moscou. Quanto ao Leão de São Marcos, o prêmio maior, foi dividido entre A nós a liberdade, de René Clair; O pecado de Madelon Claudet, de Edward Selwyn; O médico e o monstro, de Ruben Mamoulian, e Senhoritas de uniforme, de Leontine Sagan. Um filme francês, dois norte-americanos e um alemão. Frederic March, pelo filme de Mamoulian, e Helen Hayes, pelo de Selwyn, foram laureados.
Outro fato a ser ressaltado é que no segundo festival o vencedor foi O Homem de Aran, de Robert Flaherty, que muitos consideram o maior documentário até hoje realizado. Antes do início da guerra, filmes dos Estados Unidos, da Inglaterra e da França eram regularmente exibidos na mostra e vale lembrar que foi lá que o primeiro desenho animado em longa-metragem, Branca de neve e os sete anões, de Walt Disney, teve sua importância reconhecida, pois recebeu uma menção especial em 1938. Vale também lembrar que em 1924, foi criado o Instituto Luce, destinado à pesquisa e ao ensino do cinema. E no dia 23 de abril de 1937 era inaugurada a Cinecittà, até hoje em funcionamento e no qual muitas obras-primas do cinema italiano seriam realizadas. Em 1939, as autoridades culturais da França, atentas ao sucesso de Veneza, escolheram Cannes como palco de seu festival, que teve como presidente de honra Louis Lumière. Mas a mostra teve de ser interrompida pelo início da guerra, e só foi retomada em 1946, quando foi vencida por A batalha dos trilhos, filme sobre a Resistência realizado por René Clément.
No ano de 1960, foi realizada no Rio de Janeiro e em São Paulo uma grande mostra dedicada ao cinema italiano, durante a qual foi editado um catálogo com mais de 100 páginas, contendo informações e artigos e com muitas fotos de clássicos daquela cinematografia. Um dos organizadores da mostra foi o crítico Antônio Moniz Vianna, que na época era responsável pela coluna de cinema do Correio da Manhã. As críticas de Vianna, que também era médico, tinham grande repercussão e eram lidas em todo o Brasil, até mesmo pelos que não concordavam com suas opiniões e com seu entusiasmo por muitos diretores norte-americanos da época. Mas tais discordâncias não atingiam, é claro, sua veneração por John Ford, que já tinha em sua filmografia vários clássicos do cinema. No mencionado catálogo, Vianna fez várias menções ao cinema italiano dos anos 30 do século passado, sem mencionar o fascismo, algo que causou estranheza em Paulo Emílio Salles Gomes, que como todos sabem foi um dos maiores pensadores do cinema e que também exercia grande influência através de seu espaço aos sábados, em O Estado de São Paulo. Com elegância, Salles Gomes escreveu que Moniz Vianna não externava o antifascismo de outros críticos brasileiros. Mas o próprio crítico paulista reconhecia a importância do interesse de Moniz pelo passado cinematográfico e até ressaltava que a valorização do cinema na Itália daquela época era decorrente do entusiasmo pelo cinema de um dos filhos do ditador. Mas a polêmica parece ter deixado suas marcas. Salles Gomes era também um melômano e sabia cantar uma ária do corcunda em Rigoletto. Moniz Vianna, depois de 1960, quando se referia a Salles Gomes não o definia como crítico e sim como o barítono Salles Gomes. Elegância, humor e ironia deveriam estar presentes, mas parecem pertencer a um passado distante.
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