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Cinema

- Publicada em 12 de Junho de 2020 às 03:00

Cenário revelador

Em tempos difíceis, de telas escuras e salas vazias, e quando ainda não se sabe como será o cinema, numa fase em que é possível imaginar que um ciclo foi completado e outro ainda não se iniciou, vale voltar a um tempo em que então uma nova arte procurava impor seus meios de expressão e, enfrentando dúvidas, rejeições e preconceitos, lutava por espaço e atenção.
Em tempos difíceis, de telas escuras e salas vazias, e quando ainda não se sabe como será o cinema, numa fase em que é possível imaginar que um ciclo foi completado e outro ainda não se iniciou, vale voltar a um tempo em que então uma nova arte procurava impor seus meios de expressão e, enfrentando dúvidas, rejeições e preconceitos, lutava por espaço e atenção.
No começo, algo perfeitamente natural, o cinema era uma espécie de distração de parque de diversões, voltado para anedotas e empenhado em dar sustos em plateias que fugiam de trens que ameaçavam os espectadores. Viagens à Lua e assaltos a diligências não se afastavam muito das primeiras experiências com o invento dos Lumière. Quando Griffith revelou que o espaço captado pela câmera era mais amplo do que se imaginava antes, possibilitando descobertas através de ângulos diversos, tal revelação foi apenas um passo para ação paralela e a prova de que o cinema era algo diferente do espetáculo teatral. Mas a luta para que o novo meio de expressão fosse aceito por um mundo no qual as outras artes ocupavam, durante séculos, seu lugar se prolongou pelo tempo e até hoje se manifesta contra preconceitos e desinformações.
Depois de Griffith, as obras de Eisenstein, Murnau, Lang, Chaplin, Welles, para citar apenas alguns descobridores, não foram suficientes para que o cinema fosse aceito como uma nova arte. Ensaios foram escritos, cinematecas foram criadas, clubes de estudo foram fundados, mas os filmes mais elogiados eram aqueles que buscavam no teatro e na literatura suas fontes de inspiração. Certamente causará surpresa na nova geração uma consulta a jornais antigos, onde serão encontrados elogios entusiasmados a cineastas hoje esquecidos e que se limitavam a transpor para a tela romances célebres e peças consagradas. A literatura e o teatro proporcionaram grandes momentos cinematográficos, mas nunca quando vistos apenas como meio de seduzir os dispostos apenas a olhar para o passado.
Um pouco antes de ter suas atividades interrompidas pela necessidade de reformas, a Sala P.F. Gastal, que homenageia aquele a quem a cidade tanto deve na área do conhecimento cinematográfico, exibiu um ciclo dedicado ao cineasta norte-americano Raoul Walsh (1887-1990). Walsh, ao morrer já era visto por muitos como um nome importante, mas não pela maioria. Foi um dos nomes valorizados pela crítica francesa e também por Francisco de Almeida Salles, crítico brasileiro que a ele prestou uma bela homenagem póstuma, em texto publicado pelo jornal O Estrado de S. Paulo.
Mas Salles foi uma exceção, um dos poucos que viu em Walsh o autor de obras que valorizaram um dos gêneros criados pelo cinema: o western. Se não foi o gênio proclamado por alguns franceses, Walsh foi um dos que mostraram ao público que o cinema tinha um vocabulário próprio, gerado pela atenção ao olhar, ao gesto, ao movimento e ao cenário. Este último elemento, sendo expressão da ação humana, é certamente um valioso elemento para a compreensão de um filme, na medida em que expõe com clareza a verdade sobre cada personagem.
Outro nome pouco valorizado pelos acadêmicos foi Vincente Minnelli (1902-1986), tido pela maioria como um bom encenador de musicais. Só isso já bastava para colocá-lo entre os melhores. Mas ele foi muito mais que um fascinado pela música e a dança. Nesse ponto, os críticos franceses estavam corretos. Numa entrevista concedida aos Cahiers du Cinéma, edição de fevereiro de 1962, o cineasta dizia que o cenário é a história do personagem; nele, o ambiente no qual vive, está visualizada sua personalidade, suas preferências, seu modo de vida, seu passado.
Nicholas Ray (1911-1979) falava em melodia do olhar. Ingmar Bergman (1918-2007) valorizava o rosto humano, como no antológico plano final de Morangos silvestres, quando o protagonista volta à infância sem que a realidade seja alterada. Mas a observação de Minnelli é correta na medida em que clarifica de maneira precisa a importância de um elemento visual. O cinema é um descendente de todas as artes. Mas sua força reside em seu poder de valorizar os sinais deixados no cenário. E também nas figuras humanas filmadas. Foi este o caminho para a afirmação de uma nova arte.
 
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